SIMPLICIDADE

- Sim, foi de coisas bem simples que nasceu o que eu sinto hoje por ela. Nenhuma coisa assim espetacular, não.

- Nada de especial?

- Nada, nada. Ela era absolutamente comum, não é um mulherão não, daquelas que passam na rua e todo mundo olha, os caras fazem gracinhas, assoviam. Nada disso. É apenas uma mulher que chama a atenção, mas só se a gente prestar muita atenção nela, entende?

- Acho que sim.

- Pois é. Eu prestei atenção porque ela foi professora do meu filho, na alfabetização. Todo dia eu ia deixar ele na escola e era ela quem recebia ele de mim. Sempre trocamos algumas palavras, eu perguntava como estava o moleque na aula e ela dizia sempre que ele era legal, que era inteligente, essas coisas que as professoras têm ensaiado para deixarem os pais alegres.

- Muito tempo isso?

- Sim, o moleque já está na sexta série, sétimo ano como dizem agora.

- Quase dez anos, meu.

- Quase. Mas eu nunca esqueci ela. Nunca deixei de pensar nela uma única vez que ia naquela escola. Nem depois.

- E por onde ela anda, Jaime?

- Não sei. Tinha contato com ela até uns dois anos atrás, daí ela sumiu do mundo. Saiu do msn, saiu do orkut, saiu do facebook, mudou o celular. Não sei o que aconteceu. Procurei no trabalho dela, que era agora numa escola de ensino médio, nada. Perguntei pra uns amigos, ninguém sabe. Só uma menina que também era professora junto com ela lá na escolinha me disse que achava que ela tinha casado e ido para Santa Catarina, o marido parece que era promotor, algo assim.

- Mas não deu certeza?

- Não. Não sei se ela tinha certeza ou se não quis dar mais detalhes. Acho que ela sacava que a gente se gostava e teve medo de me dizer e eu ir procurar ela, sei lá.

- Mas tu tinha coragem de ir?

- Não, tinha não. Tenho mulher, dois filhos pequenos, emprego fixo aqui. E nem ia também atrapalhar a vida dela. A gente se amava, mas nunca deu certo pra gente ficar junto. Melhor achar que não era pra ser.

- Ela te amava?

- Ela me disse uma vez que sim. Depois que meu filho saiu da escolinha ainda ficamos nos falando, pelo telefone, pelo computador, e uma vez marcamos de nos encontrar num shopping. Eu fui lá, ela já estava me esperando. Entramos no cinema separados e, como não tinha ninguém no filme, ficamos bem juntinhos lá no fundo. Daí ela me disse que me amava, que se apaixonou por mim desde o dia em que me viu chegar com o moleque. Mas que nunca, nunca tinha dito nada, nem deixava transparecer, porque tinha medo de me atrapalhar. E eu disse que também amava ela, desde o dia em que entreguei o Rafa pra ela na porta da escola.

- E não rolou nada nesse cinema?

- Rolou. Uns beijos, uns amassos, mas só. A gente nunca mais se viu e, uns dois meses depois, ela sumiu como te disse.

- Vixe.

- Pois é, acho que esse encontro tava escrito pelo destino, para que a gente pudesse se dizer que se amava, se beijar e depois nunca mais, entende?

- Claro. Mas e se ela aparecesse de repente?

- Nunca pensei nisso. Mas não gosto de fazer planos pro que tem pouca chance de acontecer. Se ela aparecesse de repente, talvez a única coisa que eu faria era dizer que amava ela ainda, que sempre pensava nela de braços abertos recebendo o Rafa e que, toda vez que ia ao cinema, lembrava do gosto dela na minha boca.