VOCE PERDEU,PAPAI

Mais uma noite eu vou dormir,tomo o sedativo receitado por minha médica,me enrolo nas cobertas,e me preparo espiritualmente,caso venha a fazer a passagem.

Penso no descanso eterno,que aguardo calmamente,pois é quase chegado a hora.

Muitas luas se passaram desde o meu nascimento,agora já um pouco cansado,aguardo a volta ao vale das flores.

Pois esta é a minha ultima batalha,após a perda de meu filho aos treze anos de idade.

Vou narrar a voces.

Quando ele nasceu,e não foi de mim,conheci seus pais biológicos,em meu trabalho,numa unidade de saúde de minha cidade.

O casal chegou e queria se livrar da criança,porque não tinham condições de ficar com ela,moravam na rua e se abrigavam em uma casa abandonada.

O bebe havia nascido num dia de chuva,na calçada,pois não deu tempo da mãe chegar a unidade de saude,o parto feito por uma médica e uma auxiliar que correram até o local.

Foi uma correria ,a criança teve parada cardiaca,foi encaminhada ao hospital ficando vários dias na U.T.I.

Quando peguei no colo aquele lindo bebe,agora com tres meses de idade,sendo rejeitado,foi amor a primeira vista.

Eu ainda tinha vigor e disposição,coisas que não tenho mais.

Fui trocar o bebe,enquanto a chefia tomava providencias, quanto ao destino daquela familia com os orgãos competentes.

Tudo parecia resolvido,e quando foi mais tarde,olha o casal de volta com a criança nos braços.

Os pais sentiram a ternura que eu demonstrei à criança,então simplesmente deram o bebe para mim.

Não pensei duas vezes,abracei fortemente,e levei-o para casa.

Lindo,tão pequenininho e mimoso,não tinha um fio de cabelo ainda.

Com o passar do tempo ,estava com os cabelos lindo,era loirinho,olhos negros,e um belo rosto.

Lutei na justiça e em todas as instancias para ter ele no meu nome,porque em meu coração ele já estava.

Sua infância foi normal,como de uma criança qualquer,corria brincava ,soltava pipa.

Aos poucos,pelos caminhos da vida,pessoas e histórias foram saindo de cena,e tudo foi ficando para trás.

Então sobrou nós dois,e esta foi minha ultima batalha.

Aos treze anos de idade,notei que ele estava ficando diferente,alguma coisa acontecia,meus carinhos e cuidados já não mais o seduziam.

Ele tinha encontrado em sua vida ,algo que era maior do que o meu amor.

E esse amor foi as drogas,passou a usar maconha,quando eu descobri,o chão se abriu para mim.

Eu não sei lidar com drogas,quando Deus deu essa aula,eu faltei da escola.

Desesperado comecei a procurar ajuda,descobri que não havia portas abertas,e o mal que o seduziu, deu-lhe forças suficiente para me afrontar.

Ele abandonou a escola,fiquei depressivo,perdi a vontade de trabalhar,passear,fiquei recluso,apenas o computador e um caderno onde desabafo minhas tristezas.

Meu filho fortalecido,queria fazer tatuagens,e eu não permitindo.

Agora com quatorze anos,um dia chegou em casa todo tatuado,no antebraço o nome de meu neto,na perna indo do joelho ao tornozelo,uma figura do coringa com os dentes arreganhados,na panturrilha a face do demonio com dois enormes chifres.

Quase morri de tristeza,meu coração ficou aos cacos,agora eu tinha certeza que o havia perdido para sempre.

Agora ele dorme nas ruas,vem em casa quando quer,faz uso de drogas e trafica também.

Então em minhas noites de sono,tenho pesadelos com demonios,arrombando minha porta e vindo me abraçar.

Acordo sempre assustado,olho ao lado,a caminha dele vazia,mesmo entorpecido por sedativos demoro a dormir novamente.

Pois sei que aqueles demonios dos sonhos,um dia o levara para sempre.

Hoje quando vou dormir,tomo meu sedativo,e aguardo a passagem para o vale das flores,porque essa foi minha ultima batalha.

Penso comigo.

Voce perdeu papai.