'' A FACHADA '''

Daquela casa da esquina era linda.

Eu ficava admirada toda vez que passava pela casa da esquina com a fachada toda pintada de amarela.

E linda tambem era a dona que morava dentro dela.

Sempre elegantemente vestida.

Eu queria ser como ela. Eu tinha treze. Ela parecia que era eterna, que já havia nascido assim tão linda, tão elegante, tão bonita.

Aquela casa da fachada amarela tinha pertencido ao avó dela e quando ele morreu ficou de herança para ela que veio morar por lá acompanhada do marido lindo de viver...moreno garboso e cheio de zelo pelo que ele tinha...parecia que era '' ela o zelo '' dele.

Eu e Anita, minha melhor amiga que tambem tinha treze, e que chamavam de Nitinha, mas eu em segredo a havia apelidada de Anita Cabrita, era danada levada da breca a tal de minha amiga Anita, eu a adorava e viviamos as duas fazendo estrepulias pela rua de nossa casa.

Mas o que mais gostavamos era ir espiar na casa da fachada amarela e ver se um pequeno pedaço por dentro daquela casa poderiamos ver...nunca vimos.

A casa vivia eternamente fechada.

Ninguem nunca sabia nada do que dentro da casa se passava, apenas se conjecturava, tentava se adivinhar e só se via o casal quando eles saiam de carro, já vinham lá dentro no carro, o portão se abria, o carro saia e quase nada se via dos dois lá dentro.

Tinham empregadas, mas elas tambem com ninguem se relacionavam, nada contavam, nada fofocavam e eu e Anita ficavamos com raiva disto...que mania!!! empregada ter que saber de tudo, tem que ser fofoqueiras diziam as mulheres da vizinhança...que nada!!!

Mas eu e Anita subiamos no muro da casa da avó dela que era parede meia, muro com muro que dividia os quintais, e de lá ficamos espiando e vendo a linda Julia tomando sol na beira da piscina, jardinando, plantando, e sempre elegante e linda.( soubemos o nome dela porque ouvimos umas das inchiridas empregadas a chamando..''dona Júlia Laura''...adoramos este nome, e eu falei para Anita que ela teria que me chamar de Júlia Amelia a partir deste dia..ela disse que não me chamaria se eu não a chamasse de Laura Anita, chamei e ela tambem me chamou...crianças!!! )

Ficavamos imaginando a vida de princesa que ela teria, se ela seria a Branca de Neve, a Cinderela ou a Bela Adormecida...que vida!!!

E no meu quarto, ou no de Anita, ficavamos as duas brincando de reis e rainhas, principes e princesas , fadas, anões e reinos encantados, sendo amadas e acordadas com um beijo do lindo principe real...que encanto!!!

Um dia vieram uns pedreiros, e depois pintores, reformaram a fachada da casa amarela e pintaram de branco com janelas e portas azul colonial, ficou mais linda ainda a fachada da casa da esquina da minha casa...ficamos apaixonadas, eu e Anita, pela nova fachada.

Toda vez que passavamos em frente davamos um jeito e tentavamos ver tudo no interior, nada viamos, mas as vezes viamos, viamos Julia Laura elegantemente vestida tomando chá com amigas no jardim embaixo do carramanchão de maracujá...coisa linda de se ver era aquilo, parecia uma pintura antiga...ficavamos fascinadas.

E o tempo foi passando, eu e Anita crescendo e sonhando com uma vida daquelas, de madame rica que não tem nada o que fazer porisso fica tomando chá com torradas no jardim da mansão...dilicia!!!

E veio vento, e veio tempestade...e ventos e tempestades foram levando a vida de roldão....o tempo passou, eu cresci, namorei, quase casei, fiquei solteirona, fiquei para titia, mas Anita casou...casou com um sapo, beijou, beijou e nada...nada ele virou, que principe que nada!!!.. continuou o mesmo feio e gordo sapo do brejo, coachando, bebendo cerveja, jogando futebol, assistindo futebol escarrachado no sofá e fazendo filhos, tiveram quatro e hoje Anita já é avó...e Anita ainda continua beijando o seu sapo...ama de paixão o gordão, que trata bem dela,das crianças, sempre tratou...é um bom sujeito...gosto dele mas o tempo passou, que passou passou...eu fiquei cincoentona mas parece que tenho vinte e cinco...( e na minha mente tenho mesmo...que coisa!!! que mania!! vivem apontando o dedo para mim e dizendo que fiquei foi para titia...que mentira!!! nem sobrinhos tenho, nunca tive irmãos muito menos inchiridas irmãs...credo!!! )

E dias destes fui em um casamento.

E por lá estava a ainda linda Julia Laura.

Não tive duvidas, dei um jeito, cheguei perto dela e me apresentei e sentei na sua mesa e quando deu uma oportunidade soltei a verborralha nela, gastei o vernáculo, contei tudo daquele tempo dos contos de fadas que eu e Anita sonhavamos...ela escutou com prazer, danada, estava bem velha mas escutava e falava ainda muito bem, e tinha bom discernimento e bons '' miolos, boa cachola '' e disse que se lembrava de mim e de Anita espiando por cima do muro e riu..rimos.

E ficamos em uma prosa gostosa e descontraida.

E quando chegou no ponto do principe encantado que morava com ela na casa amarela que depois era branca com janelas azul colonial ela ficou séria, parou e me encarou....

E bem séria falou, alto, quase gritando....

'' Aquele traste....cachorro safado, cafageste de primeira, sem vergonha nenhuma na cara...aquilo não prestava Amélia, era coisa ruim, uma peste de ruindade, me batia, me trancava em casa, não queria que eu da casa saísse, eu não podia nem pôr o pé na calçada Amélia e aquelas malvadas empregadas contavam tudo para ele, ele as contratava e pagava bem..as danadas eram leais 'a ele e não 'a mim, ele me proibia tudo, mas gostava de me exibir para o mundo, me comprava roupas que eu não gostava e nem queria, joias caras, perfumes e me levava para festas como dizendo...'' ela me pertence, eu sou o dono dela, sorria e me exibia ''...eu no começo o amava, mas com o tempo e com os desaforos dele e mais as maldades fui pegando uma raiva, um ódio, tanto, que eu sonhava que o matava....nem sei porque não o matei...e eu não tinha para onde ir, minha familia achava que eu chorava de barriga cheia...ele me dava de tudo, eu não trabalhava e ainda chorava? minha familia nunca aceitaria me receber de novo se eu o largasse, fui ficando, ficando e quando vi era um robot, uma boneca sem vida, sem fôrça para nada, fiquei apatica,...e ele nunca quis saber de filhos, dizia que isto arruinaria meu corpo..e eu queria tanto ser mãe, não fui Amelia ,e quer saber de uma coisa...de verdade? graças 'a Deus que ele morreu, já foi tarde e antes ele do que eu...depois que ele morreu tive muitos namorados, viajei, me diverti, aproveitei a vida e o dinheiro dele, torrei quase tudo no que eu gostava que era para deixar ele se virando no túmulo e com bastante raiva...''

E rimos gostoso e tomamos mais champanhe, me dizia a linda Julia Laura...'' tome Amélia, é de graça...eu nem presente comprei, nada gastei...se o casamento não fôr bom não dou nada, se fôr eu mando um presente bom depois...pelo visto esta noiva coitada vai ficar sem nada, vou dar nada....e tome champanhe Amélia, faz bem e faz esquecer as mágoas passadas...''

Ficamos juntas um bom tempo fofocando, rindo, brincando e uma senhora veio busca-la, era sua secretária e dama de companhia, levou Julia Laura embora da minha vida pela segunda vez...chorei!!!

Chorei, chorei pela vida passada.

Chorei pela vida de '' fachada '' que ela levava.

Julia Laura para mim foi uma artista da vida.

Merece um premio de boa atriz...coitada!!!

Infeliz!!!...ainda bem que hoje os tempos são outros.

Ou será que não '' são '' ?

Quem sabe? quem saberá?

Será que ainda existem muita gente que ainda mora dentro de lindas casas apenas de '' fachada ''?

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AMELIA BELLA
Enviado por AMELIA BELLA em 12/12/2012
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