O Jogo

Uma partida de dama, com aqueles olhos grudados no tabuleiro. Agrada-me mais o xadrez, pelos seus personagens, algo além dessas formas arredondadas que só se distinguem pelas cores que se confrontam. A mão segura a peça e a faz caminhar. Deixo as crianças se entreterem com essa arte, já que para elas é novidade. Sigo ao redor de uma mesa de cartas, onde um grupo disputa um pôquer. Ainda não sei como se joga isso, mas quando soube dos blefes, fiquei empolgado. O jogo te deixa mentir sem culpa, já que enganar faz parte da estratégia. Estalo os dedos e saco um cigarro do maço, acendendo e soltando algumas baforadas, servindo-me de um copo de vodka. Do outro lado da rua, a vizinha me encara, com seu corpo balofo, expondo olhos de flerte. Finjo ignorar , apenas acenando como a cordialidade manda.

Abandono a jogatina, caminhando por uma rua deserta. Um cão se aproxima, latindo e investindo como se fosse avançar. Tomado de fúria, sirvo-me de uma barra de ferro encostada em um muro e vou para cima do quadrúpede. Ele se esquiva do primeiro golpe, o segundo o acerta, fazendo-o ganir e mancar. Não satisfeito, acertou outros golpes, deixando-o caído e satisfeito pela imposição da força, observando o sangue que escorre do crânio aberto. Ninguém aparece para reclamar o animal ou se aterrorizar com a cena. Nas madrugadas, as pessoas tendem a se trancafiar em suas casas, ignorando qualquer pedido de socorro. Poderia ter sido surpreendido por alguma viatura policial, mas alegaria auto defesa. Além disso, essa hora, a polícia teria mais o que fazer, provavelmente dormiam no seu plantão. Sem remorso, abandonando a arma usada, segui o caminho.

Em casa, os pés finalmente fora dos sapatos apertados. O aroma de meia suada, lançada no canto da parede. Nos classificados dos jornais, anúncios de prostitutas. Uma ligação apenas, e uma delas estava a caminho. Um banho refrescante de trinta minutos, contendo-se para não masturbar embaixo do chuveiro. Toca a campainha. Aparece uma figura com roupa justa, ao retirar o casaco, uma barriga flácida exposta pela blusa curta. Já adiantei o valor combinado. Ela apagou o cigarro e começou a retirar a roupa, sentando sobre meu membro, cavalgando o mais rápido que pode. Pensei que o preservativo fosse explodir, demorei gozar pelo efeito da bebida, vendo aqueles seios balançarem, roçando meu rosto. Fumamos alguns cigarros e bebemos alguns copos de cerveja. Se despediu e partiu com um amigo taxista que faz esse tipo de serviço com um preço acordado. Por falar em acordado, como é difícil dormir com um calor absurdo e um ventilador meia boca. Senti mais tesão em pensar no sexo com aquela puta do que em fazer, por isso acabei me masturbando.

Acordei de ressaca. Perdi o horário do emprego. Nem justifiquei a ausência. Voltei pra cama e tentei dormir. Mas o calor me deixava maluco. Abri a geladeira e fiquei um tempo em frente a ela, sentindo o ar fresco que saía. Bebi o resto de refrigerante que encontrei, já sem gás. Comi alguns salgadinhos murchos que estavam sobre o balcão da cozinha. Passando por uma casa de santo que ficava nas imediações, comprei dois charutos vagabundos. Sentei embaixo de uma árvore, comecei a fumar, soltando grandes nuvens de fumaça. O tempo passava devagar, os carros me jogavam lufadas de vento no rosto. Me aborrecia o canto dos pássaros, por ser algo repetitivo e de timbre alto. Olhava de cima a baixo as mulheres que transitavam, com seus filhos e maridos, imaginando o que esconderiam por debaixo daqueles vestidos.

Um grupo de pessoas se reunia na rua, aumentando a quantidade de curiosos, logo a viatura do corpo de bombeiros de aproximava. Perguntei a um garoto que soltava pipa, o que se passava. Ele disse que era sobre um cachorro que morrera espancado, comentou que estavam todos indignados com tamanha barbaridade. Respondi que era mesmo uma barbárie. Continuei fumando, até a multidão se dispersar. A vizinha gorda passou e acenou, apenas retribui com um leve gesto de cabeça. O dia estava bonito. Talvez pudesse aprender a jogar pôquer hoje. Embora, seja sempre bom mantermos uma ignorância a respeito de alguma coisa. As pessoas dizem que é possível que faça, que podem lhe ensinar, mas você diz que outra hora se dedicará a isso, e vai adiando. Existe mais poder em se negar a fazer do que em realizar algo, pois, na nossa sociedade, precisasse de muita coragem para dizer não.

Bruno Azevedo
Enviado por Bruno Azevedo em 27/12/2012
Código do texto: T4055912
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2012. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.