A Riqueza da Pobreza

Vejo, esses olhos sem nada a revelar. Crianças que andam, com suas mentes vazias, prontas a gastarem uma soma que surge-lhes como um passe de mágica. Nessa futilidade que caminham pessoas que até parecem gente. Narizes apontados para o alto, como se pudessem sentir a fragrância dos céus, ainda que contenha apenas ânus de pássaros. Moças feias, tagarelando assuntos inexpressivos e desfilando com trajes exagerados, que escondem seus corpos doentios. Aprecio muito mais o suor que se alastra pela trabalhadora assalariada, rendida a exaustão. Aquela roupinha rota, que é utilizada com afinco, mesmo depois de alguns rasgos, cosida com remendos. Os cabelos atrapalhados, mas com aquele gesto das mãos, que dá um charme, ao tentar colocá-los em ordem.

Comer a refeição simples. Falatório na cozinha. Não existe toda aquela prataria. Talheres para destrinchar e basta. As vozes altas, com risos bonachões. Copos trocados, lavados, guardados e até mesmo quebrados, sem espanto. O rosto contém um sorriso verdadeiro, nada de tipos fingidos, apenas a graça de viver intensamente aquele momento. O trabalho é árduo, mas isso não impede que se desfrute dos pequenos intervalos de cada sofrer. Os filhos crescem explorando ruas, confeccionando e socializando brinquedos. Se disser que não existe amargura, estaria mentindo. Mas em qual família, o drama inexiste, mesmo nas mais requintadas. Podem desconhecer uma sonata, mas jamais esquecem as canções ditas “populares”, já que se enquadra mais em seu estilo, mesmo que saibamos que as ditas “eruditas”, já foram do povo e para o povo.

Nas festas, o cantarolar embala toda aquela animação de baixa renda.

Na riqueza, os próprios animais domésticos, digo, os não-humanos, são tratados com regalia. O ato de gastar é maquinal, desde que não seja convertido em alguém de outra classe, se é que podemos nos contentar com tais generalismos. Acusam os “vulgares” de incultos, por desconhecerem o poder de cada gíria, como se desenvolve a mentalidade que reina. Apontar os que não sabem ler, apenas demonstra o quão estúpida é a afirmação da necessidade de leitura, já que a sobrevivência independe dela. Antes, aquele nariz escorrendo, sem a necessidade de fingir, do que a higienização escondendo a dita sujeira, que não passa do resto daquilo que somos. Os pais continuam com a falta de tempo, embora os pobres, tenham mais justificativa para a ausência, além de momentos bem mais revigorantes, diante do processo educativo.

O desperdício de alimentos, só faz com que uma boa parcela, assuma o papel reciclável. Acho mais bonito o riso do bebê que não tem quase nada, do que o choro do que tem quase tudo. Existe a fé, de uns por culpa, de outros por esperança. Lares paupérrimos. Erguidos, não se sabe como. Instalações precárias, vez ou outra, incendiadas, levadas por enxurradas. Periferia, o nome dado aquilo que está ao redor do considerado centro. Marginais sim, postos à margem. O menino fumante do subúrbio, ostenta o símbolo de um sobrevivente, enquanto o menino da burguesia, não passa de um idiota pseudo-rebelde. Mulheres meninas, na sarjeta, vendendo corpos em troca de sustento. Vadias ricas, dando por luxuriante divertimento. Não critico as formas de prazer, já que existem vadias pobres e mulheres ricas, ainda que putas, por se prostituírem com a riqueza.

Nada paga essa alegria que parece não ter fim. Me recordando daquela senhora castigada, lavadeira e viúva, mantendo a dignidade. O sorriso, sem dentes, é belo. Possui um brilho, que nenhum diva da estética pueril é capaz de obter. Seu encanto apaixona quem se detém diante de uns poucos minutos de conversa. Vai da seriedade a galhofa, deixando aquela sensação de, “o que me resta a fazer”. Suas rugas são rios, onde se banhara, mesmo em dias de tormenta. Faz com que jamais possamos nos arrepender de aqui estarmos, pois sua intensidade penetra e influencia. Pobres, são esses ricos, presos a sua mesquinharia. Ricos são os pobres, que conseguem enxergar no aparentemente pouco, quão grande é.

Bruno Azevedo
Enviado por Bruno Azevedo em 29/12/2012
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