Árvores da Vida...

Era inverno no hemisfério sul. Ainda que timidamente, o sol, pouco a pouco, despontava no horizonte distante, e, sem pressa alguma, aquecia e dava cores à fria manhã de mais um domingo na vida; projetava sombras anônimas em ruas, muros, e calçadas.

Parecendo alheio a tudo, o vento só fazia balançar sibipirunas, quaresmeiras, palmeiras e tipuanas...

Como numa balada dos anos sessenta, também parecia soprar segredos às margaridas, aos girassóis, aos lírios e às marias-sem-vergonha.

Talvez quisesse responder às questões mais simples da vida... Talvez...

Naquela época, lá do norte, alguém com todas as letras dizia...

(sic ) the answer, my friend, is blowing in the wind (1)

the answer is blowing in the wind…

O telefone toca.

(...) Quem seria assim tão cedo !? Quem seria !?

Era o amigo e artista plástico Washington Oliveira, convidando-o para ver e fotografar a sua mais recente instalação no Parque Santo Dias, já quase no extremo sul da cidade de São Paulo.

Melchíades, então, mais que depressa, pegou a sua Polaroid Made in Taiwan, deu a partida no velho Fiat 147, e, em meio a lamentos de um já cansado motor a gasolina, lá foi, deitando pelo ar invisíveis partículas de monóxido de carbono e dióxido de enxofre...

Apesar dos contratempos e pontuais dificuldades, Melchíades não conseguia disfarçar um certo orgulho por ter sido convidado para tão nobre tarefa, qual seja, a de escrever a introdução para o catálogo “Árvores da Vida...”

Em poucos minutos, lá estava o nosso caçador de metáforas, à procura de inspiração no bucólico e contemplativo Parque Santo Dias.

Era uma fria manhã de domingo...

Logo que adentrou o parque, Melchíades encontrou o simpático guarda Benedito.

Melchíades nunca vira Benedito assim, tão recolhido... De mãos nos bolsos, cachecol e gorro de lã, Benedito parecia sofrer com a baixa temperatura, que àquela altura da manhã, devia estar por volta dos 8 graus. E ventava muito, o que dava ao dia uma sensação térmica de três ou quatro graus.

Benedito, que era originário do agreste pernambucano, temia não resistir ao frio da metrópole.

Ainda encolhido sob o pesado capote azul marinho, Benedito esfregava as mãos, movimentava as pernas, batia os sapatos no chão.

E dizia, Meu Santo Padrinho Padre Cícero, Minha Nossa Senhora das Cores, “Que frio”... E sussurrava...

“Que saudade do calor da minha terra querida...”

Melchíades, que vivia na informalidade, não tinha o hábito de ir ao parque nos finais de semana, e, diante da perplexidade com que o simpático Benedito o olhava, antecipou-se a qualquer indagação e contou-lhe que estava ali para ver e fotografar a instalação do amigo Washington Oliveira, a quem Benedito também conhecia, e que, em seguida, tentaria escrever algo a respeito,

Melchiades nem pensava em desapontar o amigo Washington. Por outro lado, temia ser vencido pelo nada, pela falta de inspiração, que, naquele momento, dele se apossava...

Sem saber o que escrever, Melchíades e todos os seus botões, andavam de um lado para o outro.

E pareciam confabular na tentativa de acharem uma saída para tão honrosa missão.

(...) Quem sabe algumas figuras de linguagem pudessem ajudá-lo,

(...) Quem sabe.

Ainda um tanto perplexo, Benedito, encostado no portão de entrada, retomava o diálogo com Melchíades...

- Ah! é verdade, amigo. Ele deixou alguns pacotes lá em cima embrulhados em sacos plásticos. E com o dedo indicador, Benedito apontava para o pavimento superior do parque.

- Não, não meu caro Benedito, aquilo não são apenas pacotes. Aquilo é uma autêntica obra de arte. São árvores de polipropileno.

Elas estão ali para mexer com a nossa imaginação, assim como faz o vento com as folhas das palmeiras, quaresmeiras, das tipuanass e sibipirunas.

Aquela obra chama-se “Árvores da Vida”.

Benedito, então, pôs as mãos nos bolsos do surrado capote, como se ali procurasse o que dizer. Em seguida coçou a cabeça, pensou por mais um instante, e finalmente falou:

- Você tem mesmo certeza de que aquilo é uma obra de arte!?

- Claro que tenho, meu bom Benedito. Muitas vezes, a arte está mais nos olhos de quem a vê, do que na mente de quem a idealiza...

E Benedito logo concluiu...

- Então se for assim... a natureza também é uma imensa obra de arte. (...) E Deus um grande artista plástico...

- Sem dúvida, Benedito, Ele é o maior de todos,,,

E com a humildade e o bom senso de sempre, Benedito, uma vez mais, revela toda a sua sabedoria:

- Pois é amigo Melchíades. Agora, vejo o que não via.

(...) Tudo depende de como se olha, não é mesmo!?

“E de como se vê, meu bom Benedito. (...) E de como se vê..."

Já era quase uma da tarde, Melchíades tinha de voltar para casa... O almoço de domingo estava prestes a ser servido...

E Glorinha já havia deixado quatro mensagens de voz no celular de Melchíades...

FIM.

Conto de Zizifraga

Dezembro de 2012

Notas:

(1) Trad. Inglês: A resposta, meu amigo, está no sopro do vento...

Zizifraga
Enviado por Zizifraga em 03/01/2013
Reeditado em 15/11/2013
Código do texto: T4065340
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