A OUTRA LUA CHEIA
(Alessi – Forever)
 
        Marcos tinha um sonho: ser um professor universitário, sua habilidade com a matemática foi precoce, já no jardim de infância a mãe notava a grande diferença.
        Venceu muitas olimpíadas de matemática, parecia que realizar o sonho seria um caminho natural, primeiro colocado no vestibular, passou fácil pela graduação.
        Cursando o mestrado conheceu Flávia, foi na lua cheia, aluna brilhante do curso de história, Marcos apaixonou-se, eles começaram a namorar, o amor é uma forma de droga que inebria, retira os objetivos fajutos da vida e se coloca na frente, assim o casal fez.
        O que todos pensam que é amor às vezes é só sexo, então o namoro durou pouco, Flávia era uma mulher pratica, queria filhos e uma estabilidade, Marcos sonhava em percorrer o mundo atrás de novas descobertas, resolveram terminar o namoro depois que o sexo já era rotina, pelo menos para Marcos.
        Dois dias depois Flávia apareceu com um teste de gravidez positivo, Marcos nem pensava mais na namorada, já estava aliviado com o termino do namoro, atrás da sua nova presa, uma aluna do quinto ano por quem estava “apaixonado”.
        O passado de cada um pesa muito em decisões como essas, sem emprego, Marcos era completamente dependente da mãe. O fato da mãe, que marcos sabia, ter vivido solteira e de Marcos não ter conhecido o pai foi determinante para que voltasse atrás e além de assumir o filho, voltasse a namorar com Flávia, fizesse juras de amor que nunca falsas, mas o melhor enganador é aquele que engana a si mesmo, queria casar ser um marido e um pai de “verdade”.
        Flávia, que tinha ficado arrasada com o termino do namoro, pois no coração da mulher nem sempre amor e sexo são confundidos com tanta facilidade como o homem faz.
Marcos não era um príncipe, nem bonito, ela sabia disso, mas estava grávida e sua família fazia tantas cobranças, agora que ele assumiu tudo, não precisaria dar explicações para o pai e a mãe, que eram médicos e católicos praticantes, de uma gravidez sem planejamento, fora das regras da família.
        Marcos deixou o mestrado, passou a dar aulas de matemática na rede publica, Flávia conseguiu concluir o seu doutorado e passou a ensinar na universidade, tudo porque era mais forte e determinada.
Tudo parecia um inferno, pois ela estava no lugar que ele queria estar, mas logo tudo se concertou como um golpe do destino Flavia adoeceu.
A mulher inteligente desenvolveu esclerose múltipla, ficando cega de um olho e perdendo o movimento de uma perna.
Muitos dizem que só uma mulher infeliz desenvolve esclerose múltipla, mas os pais, cheios de remorso e com um vontade de resolver tudo com dinheiro.Os heróis tinham que fazer o que Marcos não conseguia, então  levaram no melhor neurologista do mundo e ela melhorou, passou a ser uma mulher bem próxima do normal.
 Doente passou a ser uma dona de casa, como Marcos queria em sua inveja patética, assim atenuava o seu fracasso.
Uma bela mulher aposentada aos vinte e oito anos cheia de lagrimas no seu rosto.
        Tudo aquilo foi há quinze anos, nada mudava na vida de Marcos, às vezes uma sensação de vazio fazia com que chorasse sozinho em um canto, agora estava com quarenta e seis anos, seus dias se repetiam, seu ódio secreto pela mulher e os filhos cresciam, como na infância culpou o pai, agora culpava eles.
        Tudo falso, reuniões familiares sem inteligência, amenidades do dia a dia, a escola infernal, o salário que não dava para nada, a matemática, sua única aptidão agora servia para encher a barriga de duas crianças e uma mulher, quase desconhecida, mais nada.
        O trabalho parecia estar engolindo as suas células, repetitivo, monótono e ditado por pessoas que não tinham a mesma capacidade que ele. Ensinar passou a ser uma tortura, crianças desanimadas, sentadas quatro horas em uma sala de aula perdendo um tempo precioso da vida.
        Marcos se acostumou, aprendeu a rotina, procurou não se envolver nas fofocas das velhas e feias professoras do colegial. Não falar da vida dos outros passou a ser uma coisa impossível em um universo sem cultura, para ser tinha que mentir, inventar coisas que elas gostavam, de alguma forma tinha que ser tolerado, para ele mesmo aguentar, o que era difícil, vivia um personagem. Passou a ser o mais simpático possível, mesmo que o dia a dia fosse a quase totalidade tedioso, vivia um personagem, o professor barrigudinho, simpático que torce pelo vasco e conta piada, ele odiava.
        Pessoas se reuniam fora do experiente para tomar cerveja, contavam histórias falsas como se fossem verdadeiras, elas o centro da atenção, tudo rodava em torno delas, nem uma dor de cabeça forte você podia ter, alguém tinha sempre uma pior, falavam apenas de si mesmo, interrompendo quando a outra falava e queria dar a sua opinião,não ouviam, diziam: ”é” começando um assunto novo, como se ninguém escutasse ou entendesse o outro.
        Foi em setembro que ela chegou a Rosa que desabrocha coma a primavera, era linda, professora de Português, elegante, de olhos grandes, cabelos negros, ficava sentada sozinha no canto, seu corpo magro parecia perdido no jaleco onde tinha as iniciais do seu nome.
        -Rose – disse apertando a mão de Marcos - meu nome é Rosemary, mas todos me chamam de Rose.
        Foi o dia mais feliz na vida de Marcos, tudo mudou.     Ele começou a correr na academia, fazer ginástica até os joelhos arrebentarem, pois estava fora de forma, queria impressionar pelo físico, pela beleza, queria ser jovem novamente.
        Flávia estava melhor, não teve muitas recaídas, também estava na academia de ginástica, o aparecimento de Marcos levou a uma surpresa boa, ela vivia dizendo que um pouco de exercício faria bem ao marido, tola achou que o marido tinha voltado para ela, isso irritava Marcos.
        -Você resolveu fazer exercícios, que bom! – disse com inocência de que aprendeu a amar além do amor, de uma pessoa resignada com a casa e o marido, que não sabia que a verdade é dura e a mentira é dolorosa, então inventa a sua realidade para depois fingir que é feliz, pois não há outro jeito.
        -Vou tentar, preciso perder essa barriga – passou pela esposa correndo, como se não a conhecesse direito, deu um beijo rápido no rosto e foi para esteira.
        Os dias passaram, Rose e Marcos ficaram confidentes, pelo menos ele falava tudo para ela, Rose era uma pessoa discreta, não falava de seus problemas, nem falava dos problemas dos outros, achava Marcos uma companhia agradável.
        Marcos foi ao dentista, seu dente não formavam um sorriso direito, depois procurou as vagas noturnas de pós-graduação e mestrado, queria ter uma posição melhor, principalmente muito mais dinheiro, queria um carro novo.
        Flávia estava encantada, eles voltaram a fazer sexo, Marcos parecia um pouco distante na hora do sexo, mas estava bom porque reclamar havia dois anos que ele dava a desculpa da doença dela, agora faziam amor quase todos os dias.
        -Por que não me beija? – perguntou Flávia.
        -O quê? – Marcos foi pego de surpresa com a pergunta direta.
        -Por que não me beija, faz amor comigo, mas não me beija.
        Marcos beijou, pensou nos lábios de Rose e beijou a esposa, as mulheres sabem quando não são beijadas mesmo que os lábios dos maridos estejam colados ao seu? Ninguém pode responder isso somente elas.
        Rose andava sozinha pelo campo quando Marcos apareceu correndo, ela estava vestida com um vestido amarelo, era tão magra!
        -Procurei você em todos os lugares? – disse Marcos.
        -Estou pensando como pedir para você uma coisa – disse colocando a mão no ombro de Marcos o coração dele disparou.
        -Para mim pode pedir tudo.
        -Esse é o problema, nos últimos dias percebi os seus sentimentos – disse olhando nos olhos dele sem piscar, Marcos não conseguia adivinhar o que ela pensava – por isso o pedido ficou mais difícil.
        -Vamos lá.
        -Eu quero ter um filho, mas não quero que o meu namorado atual seja o pai, ele tem problemas de comportamento, é violento, instável, não quero que algum dia ele venha disputar a guarda da criança comigo.
        -Por que não termina esse relacionamento, sei que poderia escolher o homem que quisesse.
        Rose deu um sorriso belo que iluminou mais que o sol.
        -Não confie nos seus olhos, não é bem assim – disse sentando em um banco – eu gosto do Greg, ele é bonito, divertido, mas não serve para ser pai, não quero um namorado, quero bons genes e um pai seguro que seja meu amigo e que eu possa confiar.
        Marcos estava assustado, o que era aquilo?
        -Desculpa, não entendi?
        -Quero que você empreste o seu esperma para que eu possa ter um filho com os seus genes.
        -Você está brincando comigo?
        -Nunca falei tão sério – disse Rose – deixarei Greg pensar que é o pai, se ele fizer alguma loucura, digo que não é o pai e pronto.
        -Pensei que fossemos amigos – disse Marcos que tinha uma lágrima perigosamente saindo pelo canto do olho esquerdo.
        -Amigos?! Acho que o seu interesse sempre foi outro Marcos.
        -Você acha que não sou seu amigo?
        -Com certeza não, já tive amigos – disse Rose – nenhum fica olhando para o meu peito e minha bunda como você, aos quarenta anos você tem um casamento fracassado, com uma esposa bonita – ele revirou os olhos – típico homem de meia idade- joga fora o que tem.
        -Você está me ofendendo.
        -Prova para mim que é meu amigo – disse Rose – aqui está o telefone da clínica de reprodução humana, é só você deixar o esperma lá, será um doador anônimo, seria uma prova de amizade.
        -Não farei isso. – disse Marcos rasgando o cartão – você é uma mulher fria e calculista, sabia que eu estava apaixonado por você?
        Rose deu uma gargalhada e levantou do banco.
        -Fria, eu – disse apontando para o peito – você é que traía a sua mulher com a primeira que passa pela frente, engana, provavelmente está transando com ela pensando em mim? Poupe-me de suas palavras de menino que quer o doce que acabou de cair no chão!
        Marcos não tinha palavras.
        Rose tirou o cartão novamente da bolsa.
        -Então vamos mudar as palavras, vá até lá, deixe o seu esperma, caso contrário conto tudo para sua mulher, ainda processo você por assédio.
        Marcos ficou olhando para o cartão.
        Marcos não teve certeza, mas pareceu ainda ouvir.
        -Babaca!- Marcos olhou para o céu, a lua cheia agora era outra.



fim: a musica
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JJ DE SOUZA
Enviado por JJ DE SOUZA em 22/01/2013
Reeditado em 22/01/2013
Código do texto: T4097721
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