Barco Teimoso

Não sei se esse era seu nome de certidão, mas todos os chamavam assim. Seu Pelicano. Tinha um pequeno barco na Região dos Lagos e todos o conheciam no portinho dos pescadores. Sempre com a cara amarrada, como se estivesse provado de algo muito amargo. Esse era Seu Pelicano. Saía bem cedo no seu barco branco e azul. O nome "Teimoso" quase não aparecia na lateral. Era um barco tão velho quanto seu capitão. Um dia tive a oportunidade de conversar com esse bom homem. E no meio da conversa perguntei qual o motivo de tanto rancor em seu rosto. O velho do mar me disse sem pestanejar: "Fui um homem tolo. Um teimoso, mesmo." Não entendi em princípio, mas a explicação viria a seguir. De coração aberto, aquela alma solitária resume sua experiência de vida. Diz ele que fazia muitos planos. Planos infalíveis. Pensava em tudo. Em como iria usar o dinheiro, como ia cuidar da esposa, educar os filhos, enfim. Fato é que tudo deu errado. Não tudo de uma vez, mas cada coisa uma por uma foi dando errado e aquele homem cheio de planos não suportava o peso de cometer erros de projetos. Pensei sem dizer nada que talvez uma decepção deve ter atraído a outra. Então digo a ele que a vida deve ser mais experimentada e não projetada. Será que se pudéssemos prever o resultado das coisas, iríamos viver de verdade? As experiências que contam. A vida é feita de sonhos, esperança. Grandes conquistas. Grandes erros. E acima de tudo adaptação.

Enquanto conversávamos nesse domingo, um homem passa no portinho caminhando ao lado da sua bicicleta. Parecia estar se apoiando nela na verdade. Era o ajudante do padeiro. Estava cantarolando um samba ou algo assim. Todo dia, o ajudante do padeiro acordava cedo e ia até seu trabalho, ganhava seu dinheiro e ia para casa. Um homem honesto e trabalhador, mas naquele domingo tinha bebido um pouco além da conta. Aposto com o velho marinheiro que, amanhã, aquele rapaz iria trabalhar normalmente. Ele concorda com isso e diz que já tinha visto o rapaz embriagado outras vezes, mas nada que comprometesse sua integridade moral. Nesse momento pergunto ao Seu Pelicano: "O senhor acha que aquele rapaz bebeu intencionalmente para ficar daquele jeito?" O ancião responde que talvez sim, talvez não. Então digo em réplica que na vida, muitas coisas podem nos fazer perder a razão, perder o controle. Algumas vezes ficamos embriagados por um trabalho, por uma falha, por projetos apaixonantes e quando a "onda" passa, só nos resta a ressaca. A pior das ressacas. A ressaca moral. Todos os pensamentos discutidos naquela tarde me fizeram pensar melhor na vida. Resumindo, na maior parte a questão é de sobrevivência ou capricho. Saber viver equilibrado dentro desse espectro que é a grande sacada.

Henrique Menezes

Henrique Menezes
Enviado por Henrique Menezes em 27/01/2013
Reeditado em 27/01/2013
Código do texto: T4108374
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