COMO UM PASSARINHO

A lembrança de meus tempos de menino desde alguns dias não me sai da cabeça. São engraçadas essas imagens do passado que nos chegam de súbito. Lembrei-me de um passarinho que eu tinha. Um canário lindíssimo que despertava invejas entre os garotos de minha idade, que freqüentavam a minha casa.

Eu cuidava sempre muito bem do meu bichinho. Todos os dias, colocava sua comida, limpava a sua gaiola e reservava sempre um espaço de tempo para levá-lo ao quintal. Sempre que estava próximo das plantas, ele ficava mais alegre. Era como se estivesse novamente livre, assim eu pensava.

Não deixava faltar nada ao meu animal. O carinho e a atenção que eu lhe dispensava deveria suprir a carência de outras necessidades. E, além do mais, o amor que eu lhe tinha era percebido por ele. E isto deveria lhe fazer feliz e satisfeito.

Nesta época eu tinha 12 anos. Considerava o meu canário o melhor dos meus amigos e nunca queria separar-me dele. Um dia, enquanto colocava a sua comidinha, minha mãe chamou para me perguntar sobre algo. Minha mente tão inocente jamais pensou que a porta aberta seria um perigo. Corri até onde minha mãe estava. Quando voltei, o passarinho já não estava lá. Foi uma dor no meu peito. Eu olhava para os coqueiros, para as outras plantas ao lado, para uma mangueira que ficava perto da porta da cozinha e nada. Subi num banco e olhei por cima do muro, nada mais eu vi.

Fui chorando para dentro de casa. Minha mãe me perguntou o porquê do choro.

-A senhora me chamou e meu passarinho fugiu!

Minha mãe tentou me consolar, mas de nada adiantou.

Fiquei sentado um tempão no batente da porta, havia deixado a porta da gaiola aberta. Ele vai voltar, eu sei que vai.

Depois de algum tempo, eu o vi sobre uns galhos da mangueira. Meu coração pulsou de alegria! Eu sabia que ele voltaria. Meu canário também sentia amor por mim e não me deixaria sofrendo.

O animalzinho cantou por cima das folhas da mangueira, voou de um galho para o outro, passou para um galho mais próximo da casa. Eu não saía do meu canto para não espantá-lo. A minha alegria durou cerca de quinze minutos. Depois, ele se foi. Não. Ele não voltou para a gaiola. Eu chorei bastante novamente.

No outro dia o meu canário voltou para os galhos da mangueira. Tudo foi semelhante ao dia anterior. A história se repetiu por dois, três, quatro dias. Mas depois, foi-se de vez. E minhas esperanças foram aos poucos se acabando.

Eu lhe dava tudo, casa, comida, carinho, atenção e amor. Ele nem me considerou. Foi uma grande perda para o meu coração de menino.

Hoje tenho 23 anos. Sou rapaz e há muito tempo não me lembrava destas lágrimas de minha infância. Mas as tristes lembranças atuais resolveram acordá-las. Já não sinto nenhuma tristeza em relação ao canário. Foram tristezas infantis. Hoje, tenho tristezas de adulto. Há alguns dias, sofri mais uma grande perda.

Elisa é o seu nome. Há quase um ano namorávamos e eu a amava muito. Ou melhor, ainda a amo. Saíamos sempre juntos. Íamos ao clube, à praça, à lanchonete, á praia. Éramos sempre muito companheiros e nos divertíamos muito. Sempre juntos.

Lembro-me de uma vez que eu não podia sair e ela me pediu para ir à praia com as amigas. Não. Eu tinha muitos ciúmes e não permitiria isto jamais. Da mesma forma não a deixei ir ao clube com as irmãs, uma vez que fiquei doente. Também não a deixei sair para a praça, no dia que precisei ficar terminando um trabalho da faculdade. Certa vez, Elisa precisou visitar uma tia que estava doente e morava em outra cidade. Não queria dizer-lhe um não mais uma vez. Dei o meu jeito e fomos juntos.

Nosso namoro ia sempre muito bem. Eu dedicava-lhe todo o meu amor, toda a minha atenção e carinho. Buscava lhe proporcionar tudo. Éramos muito felizes! Pelo menos, era isto o que eu pensava.

Até agora, não entendi o que aconteceu entre nós. Na semana passada, ela veio conversar comigo. Estava diferente e o seu tom de fala revelava não muita felicidade. Sim! Era o fim do nosso namoro. Minha alegria chegava ao fim! Mas por quê? Elisa sentia-se presa. Precisava de amigos e de novas convivências. Gostava muito de mim, mas aos poucos o amor foi esfriando. Eu não entendia o que ela queria me dizer. Como presa? Saíamos tanto! Estávamos sempre nos divertindo. Ela tentou explicar-me a situação, achei que estava tentando inventar motivos. Para mim, nada justificava a sua atitude. Elisa se foi e minhas lágrimas vieram à tona. Era como se eu voltasse no túnel do tempo. Eu sentia uma tristeza semelhante a que senti no dia que meu canário partiu. E tudo para mim novamente se fazia incompreensível. Mas eu lhe dei tudo: carinho, amor, atenção! Por que não gosta mais de mim.

Incrível, mas estas coisas acontecem com a gente. Procurei me dedicar tanto, mas de nada serviu. Isto tudo já faz uma semana. Há dois dias, eu a encontrei numa praça aqui perto da minha casa. Ela se aproximou, conversou um pouco comigo, mas logo saiu. Foi para um outro banco onde estavam as suas amigas. Lembrei-me, neste momento, do meu canário. Quando se foi, ele voltou por uns dias e ficou passando de um galho para o outro. Mas não permaneceu em minha vida.

A lembrança do meu canário não me saiu da cabeça desde aquele dia. Sempre que vou deitar, relembro o canto dele na cozinha; no quintal, quanto eu o levava para debaixo das árvores. Relembro-me também dos momentos em que limpava a sua gaiola. Era tudo tão bom! Meu canário, sempre comigo. Mas se foi! Minha namorada, sempre comigo, mas também se foi!

Ainda não sei onde errei nestas duas fases de minha vida. Sei que foram dois casos em que me dediquei o máximo, dispensei muito carinho e amor e recebi o mesmo final. O abandono de ambas as partes. É, são as adversidades da vida! Se alguém puder me explicar o que aconteceu comigo, enfim. Aponte-me o meu erro e mostre-me uma solução. Enquanto isto, estou aqui, sem conseguir esquecer Elisa e com a lembrança viva do meu canário, em meu pensamento. Ainda não entendendo direito tudo o que aconteceu.

Autor: Ranovi Vieira

Nonato Costa
Enviado por Nonato Costa em 13/03/2007
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