Dispositivos

Cartelas e mais cartelas de comprimidos, acumuladas em bancadas. A chuva desaba, como se não tivesse fim, embora saibamos que sempre haverá um término. Essa é nossa condição de ser extinto, sabemos que as coisas possuem um tempo, porque as temporalizamos. Sentimos e catamos através dos sentidos que tornam o mundo mais íntimo, por nos afastar dessa imensidão fora de nós, com a condição de torná-la similar na finitude. Se não fizer a barba hoje, que mal há de fazer. Já vi mulheres com buços bem mais horrendos, e olha que existe o apelo a uma estética feminina mais depilada, salvo alguns grupos, como religiosos ou hippies. Escuto a descarga e essa merda toda eu esqueço. Só escuto o chuveiro que pinga em harmonia com as gotas que caem das nuvens.

Duas amigas e uma cerveja. O sofá é sempre confortável para a bunda, até certo momento. As horas passam, mas acabo me recordando delas. Sou um idiota do tempo. Trazer o assunto “hora” para uma conversa, é fazer papel de narrador da previsão do tempo ou qualquer outra coisa escrota dessas. A vida é melhor sem esses números que dizem onde estamos. Rodo a cama, para poder melhor encaixar esses pés soltos. Nunca fazem camas para quem gosta de fazer sexo, o objetivo é que compremos mais. Só um moribundo, vive sem se mexer muito, causando pouco dando a estrutura do leito. O estilo “cama de motel”, embora de uma estética de mau gosto, é o mais próximo do ideal de um casal ativo. Os correios nunca acertam nosso endereço, apenas quando se tratam de cobranças. Essas sempre chegam, até se você estiver refugiado em alguma parte remota do Afeganistão. Talvez isso seja um exagero. Quem sabe eu mudo e as contas desaparecem.

Aguardo a chamada, com aquele bando de conhecidos. Os assuntos que são praticamente os mesmos de anos atrás. Uma forma de recordar sem muito esforço. Basta encontrar aquelas pessoas que tendem a se fossilizar em uma postura. Ofereço um copo de cerveja, e nos sonhos as coisas parecem escassas demais ou em quantidades acima do imaginável. Por isso, identifico aquelas histórias místicas, como oriundas de algum sonho. Creio que seja fácil Jesus ter ressuscitado, transformado água em vinho. Era um sonhador que tinha bom poder de persuasão, fazendo com que angariasse seguidores. Hoje a pessoa sonha com cada coisa também. Já fui assassinado em um sonho, mas acordei antes de morrer por completo. Os platônicos, tendem a acreditar que vivemos uma espécie de sonho, que acordaremos em outros estágios. Nunca estamos satisfeitos com essa vivência. No modelo teísta, deus deve ser um sonhador, que quando acordar, jogará tudo isso, inclusive nós, para o nada de sua mente divina. Vai saber.

Tem noites que durmo e nem lembro se sonhei, como se pulasse etapas, ao acordar e não ter memória de um momento, em que muitos irão dizer que eu estava lá, por terem visto meu corpo em repouso. Nos preocupamos com isso ou aquilo, com intuito de tratar o que é e o que não é, enquanto as coisas ocorrem e deixamos de aproveitar. Aproveitar não significa entender. Quando a gente goza, que se foda a razão, o deleite é que satisfaz. Sei que esse bolo que estou comendo está ótimo, sendo enganação ou não. Queimei os dedos com esse misto-quente e olho para o lado e vejo minha esposa linda, com uma camisolinha de deixar até impotente duro. Se isso não é realidade, me deixem dormir.

Bruno Azevedo
Enviado por Bruno Azevedo em 03/02/2013
Código do texto: T4120822
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