Otimismo, perseverança ou adequação?

Enquanto mantinha seu umbigo encostado em um balcão de um dos cartórios de um foro no qual fazia, como estagiário, vistas em autos de processos, Hermógenes ouviu um barulho específico de abundante chuva que caia...

Pensou:

. . . . . Caramba! Daqui a pouco termina o meu horário e aí

vou ter de enfrentar esta chuva para ir até o ponto

do ônibus...

Dito e feito, seu relógio já marcava 17h15 quando Hermógenes, que tinha de cumprir sua jornada as 17h00, terminou de obter cópias de aspectos relevantes requeridos pelo advogado responsável e mesmo com várias pesquisas a cumprir em outros cartórios. Estava pesquisando no 8º Cartório, havia ‘bypassado’ o 7º e não iria até o 9º.

Agradeceu como sempre fazia, às jovens atendentes encarregadas do repasse dos autos aos ‘pesquisadores’ e dirigiu-se para a saída.

Olhou para o ‘tempo’ e verificou que havia ‘amainado’, havendo apenas uma fina garoa, típica de SAMPA!

Encarou ‘de frente’ a situação e, mesmo sem qualquer cobertura, iniciou sua caminhada rumo ao ponto de ônibus que o serviria e que distava razoavelmente de onde partira. Após muitos pingos e espera ‘angustiante’ para cruzar avenida de grande movimento, foi surpreendido por repentino engrossamento dos pingos e ‘desabamento’ de uma chuva torrencial.

Como se encontrava em local ‘descampado’, encontrou como solução abrigar-se sob a marquise de edifício próximo dali. Semi- abrigado, notou que no local de onde provera estava atravessando um rapaz portando uma muleta haja vista não contar com seu membro inferior esquerdo. Com alguma destreza o rapaz também se dirigiu para o abrigo onde ele se encontrava.

Falante, o rapaz, que aparentava situar-se na faixa etária entre 35 e 40 anos, foi logo comentando:

------ Nossa Senhora! Desabou uma chuva... Logo ali -

emendou apontando para um cruzamento próximo -,

estará tudo inundado... Os bueiros não estão dando

conta, daí...

Hermógenes olhou para o rapaz, que continuou ‘matracando’:

------ Então,..., antes – num gesto automático apontou

para o local onde deveria constar seu ausente

membro inferior – eu trabalhava como pedreiro. Agora

não me dão chance mais para exercer minha

função...

Incentivado pela ‘matraquisse’ do interlocutor, Hermógenes ousou indagar:

------ E, como foi que perdeu sua perna? Foi há muito

tempo?

Sem pestanejar, o falante rapaz respondeu:

------ Foi de moto! Eu estava trabalhando em Cajamar...

Eu tinha trabalhado um dia e estava indo para meu

segundo dia de trabalho. Transitava logo após um

caminhão e vi na calçada uma bela moça trajando

minúscula minissaia! Virei minha cabeça para olhar e

quando retornei minha cabeça para a posição normal,

olhando para frente, percebi que o caminhão havia

reduzido sua velocidade. Freei a moto, que deslizou

pela pista e tombou prosseguindo deslizando.

Neste momento o caminhão deu uma breve freada e

eu juntamente com a moto, entrei debaixo. A moto,

prensada, parou e eu prossegui ‘minha viagem, indo

parar com minha coxa da perna esquerda debaixo de

um dos pneus. Neste exato instante, o caminhão

retomou sua marcha e o pneu daquele caminhão

carregado com sacos de cimento passou em cima da

minha perna! Só me lembro de ter ouvido dois

estalos e o caminhão estancou novamente, creio eu

após o motorista ter ouvido algum barulho, para ele

esquisito!

Tentei levantar e não consegui, desmaiei em

seguida...

Fui transportado para o Hospital e lá nada puderam

fazer para salvar minha perna, tendo que cortá-la! Já

faz cinco anos e meio!

Hermógenes ouviu o relato emocionado.

O falante prosseguiu:

------ De lá para cá está difícil de alguém me dar uma

chance de trabalho... Mas, tenho fé e Deus vai

melhorar minha existência...

Olhando para a chuva que teimava em cair torrencialmente e que se misturava com as lágrimas que também teimavam em rolar pelas suas faces, Hermógenes arguiu:

------ É jovem! Para Deus nada é impossível... Com toda

esta sua força e esperança, com toda certeza logo

terá sua chance para um recomeço. Esta foi uma

provação que teve de passar por aqui e que,

dependendo do plano que Nosso Ser Superior tiver

para sua vida, haverá o devido ressarcimento para

ela...

O falante prosseguiu:

------ Pois é... Deus já começou a olhar por mim... Há uns

dois meses, um conhecido de um amigo meu ia

construir um barraco em um terreno que possui e foi

querer contratar um pedreiro para a construção.

Ficou abismado com o que o pedreiro iria lhe

cobrar... Aí, meu amigo disse que tinha um amigo,

eu, que poderia fazer o trabalho para ele cobrando

bem menos.

Quando fui lá para construir, o amigo do meu amigo

disse que estava com pouca verba e que não tinha

como comprar o material para fazer uma construção

em alvenaria. Disse que iria comprar madeira e se eu

saberia erguer um barraco para ele. Disse que sim e

no dia seguinte já comecei a erguer o barraco.

Quando terminei, o amigo do meu amigo, que se

tornou também meu amigo, gostou muito e só me

indagou se o barraco estava firme para aguentar

chuvas. Garanti que sim e ele acertou direitinho

comigo. Passado algum tempo, quando houve uma

chuva acompanhada por fortes ventos, meu agora

amigo, saiu do seu barraco foi procurar abrigo na

casa de uns conhecidos com medo de que houvesse

um desabamento do barraco que eu ergui. Passada a

verdadeira tempestade, que inclusive arrancou

alguns telhados, derrubou arvores, virou veículos,

conforme amplamente divulgado pelos noticiários,

meu amigo retornou ao seu barraco que estava em

pé e intacto.

Agora, estou vendendo algumas balas nos faróis nos

cruzamentos por aqui...

Hermógenes comentou:

------ Viu só? Aos poucos, Nosso Ser Superior está

suprindo o que lhe tirou...

Hermógenes, percebendo que a chuva havia amainado, transformando-se novamente em fina garoa, estendeu a mão para o falante dizendo:

------ Fique em paz, amigo! Saiba que agora pode contar

com mais um que o irá colocar em suas orações para

que sua vida retome a normalidade e que lhe possam

ser dadas chances para exercer com dignidade

novamente a sua função... Fique com Deus!

Enquanto se dirigia para 'seu' ponto de ônibus, Hermógenes ergueu seus pensamentos para o Ente que acredita reger nossos caminhos por aqui e pensou:

. . . . . Obrigado Senhor por me propiciar dar um lenitivo, ao

menos em ouvir, irmãos que estão passando por

provações por aqui...