Uma história mais que real: Minha história, a história da minha vida

Uma história mais que real: Minha história, a história da minha vida

É interessante ver que muitas pessoas chegam ao final de suas vidas sem que nada de grave tenha acontecido com elas. Sempre penso nisto quando observo as pessoas, principalmente as mais velhas. Isto porque olho para elas e penso que comigo não foi assim e tenho medo de nem chegar a idade delas ou mesmo chegar muito mal.

A verdade é que o medo constante de não andar, de ficar muito doente, com dores pelo corpo inteiro me assola. E quanto mais velha fico, o sentimento piora.

Não em vão, mas por conhecimento de causa, temo passar o resto da vida em uma cama, com dores terríveis e totalmente dependente. Medo real que paralisa e gela.

Em abril de 1995 eu estava em um ônibus a caminho da casa da família do meu marido. Havia ído falar com meu chefe sobre uma falta, mas nem precisava pois estava de folga e nem havia me dado conta.

Na verdade não estava nem me situando no tempo e no espaço por estar muito cansada. Na noite passada havia levado meu filho de um ano e cinco meses para um aniversário muito distante de casa. Na volta o ônibus superlotado fez-me segurá-lo numa posição péssima e em pé durante todo o percurso. Depois, mais um ônibus lotado.

Cheguei tão cansada que dormi até o final da manhã, sem forças e disposição para mais nada. Mas a festa tinha sido muito boa e meu filho se divertido muito.

O fato é que caí dentro daquele ônibus. Não o da volta da festa, mas aquele, do outro dia, quando retornei da conversa com meu chefe.

Caí e imediatamente senti umas ondas percorrendo todo meu corpo, paralisando minhas pernas. Gritei! Um grito baixo, rouco, calmo, tranquilo, difícil de ser ouvido. Mas o motorista, mesmo assim, ouviu o que era mais um grunhido baixo e suplicante.

O ônibus parou para se buscar a vozinha lá atrás. Eu estava deitada, sem me mover, no piso daquele ônibus. Os passageiros seguraram-me como fora possível até o hospital mais próximo. Eu não tinha mais controle sobre mim mesma, fui levada por eles.

Ao chegar ao hospital não puderam atender-me, pois não havia recursos para tal. Aguardei um bom tempo para ser transladada para outro que pudesse me socorrer.

Na realidade, não se fazia translado de hospital para hospital. E, apesar de eu estar ainda na porta, nenhuma ambulância pública queria me transportar e não tinha dinheiro para pagar uma particular.

O jeito foi recorrer ao meu chefe. Aquele que tinha ido falar, lembra? Pois sim, ele conseguiu-me uma ambulância que me levou a um hospital que me atendeu. Logo que chegaram, os paramédicos imobilizaram minha coluna. Já tinham ideia do que havia ocorrido e iniciaram um procedimento correto para aquele caso.

Um santo senhor, passageiro que ia para o trabalho, acompanhou-me. Ficou comigo até que alguém da minha família chegasse, o que levou a tarde inteira. Bom homem, que Deus o tenha protegido tanto naquele dia, que acho que perdeu o emprego, quanto em todos os outros de sua vida, por ter sido tão bondoso com uma estranha.

Ele não só acompanhou-me em todos os exames que fiz como também conversou comigo, dando-me toda a atenção num momento tão complicado de minha vida, onde eu não sabia direito o que estava acontecendo, simplesmente ia onde diziam.

Depois de idas e vindas aos corredores do hospital para realizar consulta, procedimentos, exames e retorno veio o diagnóstico: Fratura na Coluna Lombar – L1.

A internação era necessária e já estava sendo admitida quando minha mãe chegou. Agradeci muito ao senhor que me acompanhou rogando para que seu chefe entendesse a situação que o levou a faltar naquela tarde. Ele se foi e nunca mais o vi.

Passei então uma noite de muito frio numa sala bem confortável da emergência. O hospital lotado e não havia vaga na enfermaria. Aguardei para a troca.

Na enfermaria, o calor era que imperava. E também não havia conforto. Mas também nada importava muito, queria era ir logo para casa e ver meu filho.

Meu marido e familiares visitavam-me, minha mãe ficava o tempo todo ou revezava com uma grande amiga, a Márcia. Ela fazia umas massagens que amava.

Mas meu filhinho, de apenas um ano e cinco meses, que ainda mamava, que eu contava histórias diariamente para ele dormir, que eu curtia de montão. Este não podia me visitar e imagino a dor que ele deve ter sentido ao não me ver por 20 longos dias.

Alguém trouxe um álbum que eu mostrava para todos como meu filho era fofo.

Bem, diagnóstico realizado, transferida para a enfermaria, fui sendo então tratada. Até então não mexia minhas pernas e não sabia se um dia voltaria a mexê-las.

A equipe médica era formada por um especialista em coluna, um residente, fisioterapeuta, enfermeira e atendentes. Alguém mais próximo sempre estava comigo.

Resolveram que eu precisava fazer uma cirurgia: Artrodese. Ela foi realizada no nono dia de internação. Neste dia fiquei tão pálida, já estava tão magra e tão sensível.

Depois da cirurgia passei ainda mais onze dias no hospital. Seriam mais dez se não houvessem deixado de me levar no dia que tive alta. Mas não havia como. Só podia ser transportada de ambulância e não havia nenhuma disponível. Fiquei revoltada.

Mas fui para casa no outro dia. Que alegria! Meu filho não estava em casa, mas logo o trouxeram da casa de minha mãe e pude ver seu rostinho lindo olhando para mim e respondendo à pergunta: – Quem é, Ítalo Anderson? Ao que ele respondeu depois de certo tempo: – É a mamãe! Todos que estavam comigo no quarto acharam lindo.

E aquele lindo garoto de apenas um ano e cinco meses teve que crescer imediatamente. Passou a ver sua mãe deitada sempre e não podia chegar perto porque ela gritava com dores ao seu simples toque. Viu e aprendeu que gelo era um bom amigo de sua mãe, pois aliviava as dores. Passou então a sugeri-lo sempre que ela reclamava.

– Quer gelo, quer mamãe?

Cresceu e foi um grande aliado em muitos momentos difíceis. Cresceu e entendeu muito cedo o que é ter alguém que se ama, alguém próximo que deveria cuidar, ser cuidada. Aquele garotinho cuidou e cuida de mim até hoje, como uma inversão de papéis.

Hoje já se passaram 17 anos. Aliás, 16. Serão 17 no dia 22 de Maio de 2012.

Eu estou bem, andando, graças a meu bom Deus e Pai, aos fisioterapeutas e à minha vontade de persistir, continuar, não desistir. Preciso dela diariamente para não me deixar abater porque não é fácil querer e não poder, não é fácil ir contra o que seu corpo pede, não é fácil cair constantemente, não é fácil ser muito gorda, enfim, não é fácil viver, pura e simplesmente, pois sei que eu tenho alguns problemas em decorrência do acidente, físicos e reais, emocionais e invisíveis, mas todos também têm algo por que lutar e comigo não poderia ser diferente.

Eu olho e me vejo com algumas limitações, mas insisto em perguntar para mim mesma, o que elas são? Se sou economicamente ativa, se tenho um casamento feliz de vinte anos, se tenho um marido que não me abandonou por ter ficado com problemas físcos (alguns o teriam feito por não suportar a carga), se tenho dois lindos e maravilhosos filhos (Sim, EU TIVE UM OUTRO FILHO DEPOIS DO ACIDENTE, o Felipe Gabriel e sou imensamente feliz e agradecida a Deus por isto), se tenho uma família que faz tudo para que eu fique bem, se tenho amigos que não suportam ver-me cair, literalmente, e estão sempre do meu lado para que eu volte a levantar, se eu tenho um Deus maravilhoso que torna tudo isto possível, que escolhe a dedo quem e o quê pôr no meu caminho.

Não, eu não posso me deixar abater. Tenho que seguir forte para que todos vejam que Deus é maior do que qualquer sequela de um acidente qualquer, Deus não permitiu que algo realmente grave acontecesse, Deus me permitiu viver e tenho que ser agradecida a ele mostrando que a vida que ele me dá diariamente vale a pena.

Francilangela Clarindo

Francilangela Clarindo
Enviado por Francilangela Clarindo em 17/02/2013
Código do texto: T4144510
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