Quem Quer Ser Dona de Casa?

Ninguém, exceto nós mesmos, tem o direito de controlar a nossa vida. Quando concluí o ensino fundamental, meus pais resolveram me matricular em um colégio só para garotas. Uma escola modelo, no ensino para mulheres.

Logo no primeiro dia de aula, senti que aquilo não ia dar certo.

Tomando a tribuna, e sob o olhar atento de um auditório repleto de garotas, a mulher alta e esguia, que tinha os cabelos negros atados em um coque, começou a falar:

— Sejam muito bem-vindas ao colégio Artes Femininas. O meu nome é Grace, sou a sua diretora. Aqui nesta escola, além das disciplinas convencionais como Português, Matemática, História etc., vocês aprenderão o que uma mulher realmente precisa saber para se dar bem na vida. Ou seja, lavar, passar, costurar, bordar, cozinhar, organização e economia doméstica. Alguém tem alguma pergunta?

Ante o incentivo, criei coragem, ergui o braço e perguntei:

— Diretora, Grace, eu me chamo Diana. Desculpe-me pela pergunta, mas o colégio não deveria nos oferecer um curso profissionalizante?

A mulher lançou-me um olhar de fúria e falou de modo autoritário, quase ameaçador:

— Escute aqui, mocinha. A melhor profissão que uma mulher pode ter é ser uma boa dona de casa. — E estendendo o olhar para o auditório — prosseguiu:

— Vocês nunca irão arrumar um bom casamento se não souberem realizar com êxito as tarefas do lar. Homens bem-sucedidos desejam esposas prendadas. Aqui não toleramos indisciplina ou insubordinações, fui clara? Sem mais perguntas; todas para a sala de aulas, agora!

— Puxa! — Falei indignada para algumas garotas, depois que a velha diretora saiu — Com tanta escola no mundo, meus pais tinham que me mandar justamente para um colégio que forma “Amélias do lar”.

As meninas riram, entretanto, uma loirinha magérrima considerou:

— Ora, a diretora está certa. Eu quero me casar com um homem rico e elegante, que seja capaz de me dar uma boa vida. É claro que não vou trabalhar feito uma escrava Isaura, pois sendo rica terei empregados. Mas ser uma mulher com prendas domésticas impressiona os homens.

Para a minha surpresa, muitas concordaram com ela, então eu disse:

— Que marido rico que nada! Desse jeito vocês vão acabar conseguindo apenas ficar o dia inteiro com a barriga encostada no fogão, cozinhando para um marido mal-humorado, uma sogra megera e uma penca de filhos. Mas comigo não.

Os dias na escola foram passando e de fato, éramos obrigadas a frequentar as malditas aulas do curso doméstico.

Conversando com os meus pais, tentava explicar-lhes que eu não desejava, pelo menos nesta fase da vida, ter aulas de culinária, corte e costura etc. Porém, eles diziam que eu estava exagerando e que certamente não faria nenhum mal ter umas aulinhas desse tipo: “Se você resolver se casar daqui a uns cinco anos, essas aulas lhe serão bem úteis, filha”. Minha mãe sorria fazendo troça.

— E se eu resolver daqui a cinco anos ser dentista como a senhora, mamãe? Com a minha resposta em forma de pergunta ela não teve outra alternativa, exceto se calar.

No fundo, o que mais me aborrecia e causava indignação nem eram as aulas, mas a forma autoritária e a mentalidade da direção da escola em torno do assunto. Ora, parece até que estávamos em pleno século XVIII, quando bastava a uma mulher saber cuidar da casa, do marido e dos filhos.

Bem, já que meus pais não quiseram colaborar, tive outra ideia e ao cabo de duas semanas, fui convidada a comparecer à sala da senhora Grace.

— Procurarei ser breve, senhorita Diana. Recebi informações precisas de que a senhorita anda sabotando as aulas do curso doméstico. Primeiro, colocou um vidro inteiro de pimenta no guisado de carne que as meninas estavam preparando. Para aliviar a ardência, as pobrezinhas quase acabaram com o estoque de leite da escola. Depois, você manchou um tecido com água sanitária propositadamente durante a aula de corte e costura. Sabe o que vai acontecer com a senhorita agora?

— Espero que a senhora diretora me expulse.

— Mas por que quer ser expulsa, menina?

— Porque não quero ser educada para ser dona de casa. A senhora mesma é uma diretora de escola, não uma simples e submissa dona de casa.

A diretora meneou a cabeça em sinal positivo e observou:

— Muito bem, Diana. Sou diretora de escola porque quando jovem, pensava exatamente como você. Não desejava ser uma dona de casa submissa. Hoje, divido uma casa grande com dois cães pastores-alemães e sem o carinho de um marido; e ainda tenho que ficar aturando adolescentes indisciplinadas. Você me entendeu?

— Entendi sim, senhora, mas isso só vai acontecer comigo se eu quiser ou deixar que aconteça.

— Conheço bem o seu tipo, menina, mas está certo. Diga a seus pais que quero falar com eles amanhã. Vou dizer-lhes que esta escola não serve para você. Agora, por favor, saia.

— Obrigada, diretora Grace!

No outro dia fui retirada do colégio Artes Femininas, e passei a estudar em uma escola que não tinha em seu currículo de disciplinas o curso doméstico para gestão de um lar.

Hoje, quinze anos depois, penso que não há nada de errado em ser uma dona de casa, desde que a escolha seja realmente sua. Sou professora, casada, mãe de um lindo menino e uma razoável dona de casa.