O CRÍTICO

O C R Í T I C O

Nasceu sarcástico, o João Costa Dantas. Quando sua mãe Beatriz – a Bete – fazia bilu-bilu para ele, o debochadinho ainda no berço, respondia com um ricto de mofa que o acompanharia por toda sua vida. Na infância, ganhou o apelido de Joãozinho da Bete e nem conheceu o pai, que chegou a Paraíba do Sul com um circo e se foi com ele...

Junto aos colegas de escola era considerado um fofoqueiro. Aos 13 anos fez comentários irônicos sobre um filme e pediu ao dono do jornal para publicar. O gerente do cinema gostou e sugeriu que ele analisasse os filmes em cartaz, nos programas impressos. Assim poderia entrar de graça no cinema.

Joãozinho Costa Dantas então adotou o pseudônimo Jotacine e foi para o Rio levando seu “currículo”: um monte de programas de cinema com suas opiniões azedas. Por intermédio de um ex-namorado de sua mãe, pessoa muito relacionada no Jóquei Clube do Rio, Jotacine foi trabalhar num jornal onde assinava uma coluna criticando filmes e inovou: em seus comentários mencionava casais da sociedade, cujos nomes lhe eram soprados pelo “padrinho” do Jóquei. Gente bem que freqüentava cinemas. Jotacine tornou-se conhecido; morava em hotel de categoria na Cinelândia. Seu espaço no jornal passou de coluna para uma página diária. Era mais temido do que admirado, em conseqüência de sua língua ferina. Também na Redação era evasivo e distante com os colegas.

Até que um dia os jornais noticiaram em manchetes, o início da televisão no Brasil e depois, a venda de um tradicional cinema que seria transformado em super-mercado. Mais cinemas vendidos para templos... Jotacine teve seu espaço reduzido no jornal e no salário. Mudou-se para um hotel modesto, e a seguir, despedido. Passou a escrever num jornal de classificados, propriedade de um bicheiro que conhecera no Jóquei. Então, conseguiu vaga num quartinho na Lapa.

O bicheiro foi preso e o jornal deixou de circular. O dono do quartinho deu-lhe uma semana para acertar o aluguel atrasado ou então o despejaria.

Jotacine saiu de madrugada com a roupa do corpo e dirigiu-se à Rodoviária, onde pegou o ônibus que passava em sua terra. Pediu ao motorista para deixá-lo no ponto mais próximo do Lar do Albergado, instituição próxima à casa onde nasceu.

Recebido na portaria, identificou-se: Joãozinho da Bete. O velho porteiro foi direto ao assunto, naquele tom íntimo das comunidades onde todos se conhecem e sabem uns dos outros.

- sua mãe morreu e você não veio...

- eu estava internado...

- disseram que você ficou rico e famoso...

- tudo mentira; não tenho para onde ir...

E ali permaneceu até sua última sessão de cinema...

Os críticos passam a vida sem nada construir e apenas malhando o trabalho dos outros. Nem mesmo conhecem o ditado: “ sapateiro, não vá além dos sapatos”...

M.R.Gomide

M R Gomide
Enviado por M R Gomide em 25/02/2013
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