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O TILINTAR DAS COLHERES

O maridão estava lendo tranquilamente seu jornal na sala, enquanto a esposa assistia a mais um folhetim da Rede Globo (é claro...). Ambos entretidos nas suas ações, sem dizer uma palavra, até que...
 
— Mulher, vou fazer uma bela sopa. “Tá” meio friozinho e vai cair bem. Você me acompanha?
 
— Claro “bem”! Mas, me deixa acabar de ver a novela, tá?
 
— OK, pode deixar que eu faço e te chamo quando estiver tudo pronto.
 
— Tá!
 
E lá foi ele preparar a bela sopa naquele dia meio friozinho. Pensou: “O que eu fui inventar?”... Mas agora já era tarde e não tinha como voltar atrás. Não teve dúvidas. Pegou um pacote de sopão (aquelas em pó), dissolveu tudo na água e incrementou com alguns temperos: couve picada, cebola, salsinha, cebolinha. Pensou em colocar tomate, mas a esposa não gostava de tomate nas sopas. Ele gostava, mas decidiu não ir contra o paladar dela. E assim, nosso herói preparou uma “sopa pronta” que ele achou que tinha ficado “dos deuses”. Ah, para completar fez também uns croutons com pão de forma que vencia naquele dia.
 
— Benhê, pode vir que tá pronta.

Ela veio logo e viu aquela sopa ainda fumegante, o aroma gostoso dos croutons, a mesa posta. Tá certo que não tinha sopeira, os copos eram de requeijão e a bebida apenas água gelada. E nem havia um queijinho parmesão ralado. Apenas o tabasco que ela odiava, mas ele amava. Mesmo assim valeria a pena, afinal ele não era dado a esses caprichos.
 
Serviram-se diretamente da panela que estava sobre o fogão, sentaram-se à mesa, um de frente para o outro, abaixaram a cabeça e começaram a saborear aquela delícia. Nem ela o olhava e nem ele a olhava. A única visão para ambos era a sopa dos deuses.
 
O silêncio chegava a constranger, afinal moravam num apartamento de fundos onde não havia barulho. E dentro daquele imenso silêncio o tilintar das colheres batendo nos pratos chegava a irritar. Até que terminaram, depois de uma repetição de cada um. E ela nem disse se a sopa havia ficado boa, aliás, ela não disse nada. E nem ele.
 
Levantaram-se, cada um lavou seu prato e talheres, sobrando para ele lavar a colher de pau e a panela onde havia feito a bendita sopa. Além, é claro, da arrumação da cozinha. Afinal, já ia começar outra novela na Rede Globo e ela não podia perder.
 
 
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