Costas de moça as dezessete

- Avenida Celso García – anunciava o motorista

O ônibus estava lotado. De pé, assim como uma grande parcela dos presentes, eu ocupava o estreito corredor, mais especificamente, no espaço entre o cobrador e a catraca. Ansioso, aguardava o que estaria por vir, quando chegasse em casa. Minha esposa telefonara no começo da tarde, informando a necessidade da minha presença às dezessete em ponto. Eram raros os seus telefonemas, e na maioria das vezes eram coisas boas. Da última, uma festa surpresa para o meu aniversário. Estava próximo do nosso aniversário de casamento, talvez ela tivesse antecipado a comemoração. Olhava através da janela para o aglomerado que se formava. O trânsito era infernal. Imagina estar rodeado de lesmas. Girava o pulso. Via a hora. Receava não dar tempo.

Peguei o celular. Disquei. Uma moça, de pele pálida, na minha frente, tirava o celular do bolso no mesmo instante; o toque estridente anunciava a ligação no aparelho dela.

- Alô?- dizia eu à minha esposa

Ela respondia com pressa, parecendo estar ocupada na realização de algo. Eu tentava tirar alguma lasca de informação do estaria por vir. Não era muito bom com datas, e ficaria chato chegar na comemoração sem nem mesmo saber o que se festejava. Conclusão, não obtive nada. Sabia que ela era difícil. Contar segredo para ela era como se confessar. Mesmo com pressão, nada revelava.

A moça da frente parecia não estar nada satisfeita com a pessoa com quem estava falando. De costas para mim, girava a cabeça como se estivesse fatigada de tudo que estava ouvindo. Talvez, fosse uma advertência do chefe, pensava eu. Já que ela nada retorquia.

Minha esposa tentava cessar o nosso assunto, dizia que precisava ir, mas eu não deixava. Sentia que ela estava me escondendo algo. E se não fosse festa? E se ao invés de ter dito esteja em casa as dezessete, tivesse dito esteja a partir das dezessete? O que estaria fazendo de tão grave que eu não pudesse estar em casa? Estaria com outro? Suspeitava do padeiro da esquina, ele era muito cortês com ela. Estariam juntos? E o pior na minha cama? Sob meus lençóis de seda, vestindo meu pijama com minhas iniciais grafadas? Unindo ambos os lábios, tocando um no corpo d’outro, assim como num amor adolescente? Estaria eu sendo “corneado”?

Engrossava a voz e retomava a conversa. Ela já nervosa também elevava o tom, partindo para uma possível discussão de relação.

A moça na frente ainda ao celular elevava o tom de voz, talvez estivesse cansada de escutar tantos sermões do patrão e resolvera chutar o pau da barraca. Apoio! Odeio esses chefes que se acham superiores, só porque estão a um ou dois cargos acima de nós. Enquanto na verdade, são tão funcionários quanto qualquer outro na empresa.

Minha esposa na linha esbravejava que precisava ir. Estava ocupada. E com uma grande dor de cabeça. Bom, por estar com dor de cabeça, suponho que me traindo não estava. Talvez um pouco cansada. Lembrava do velho aparelho de televisor que pedira para que ela não se desfizesse. Pesava um bocado. Um trambolho, diria ela. E todos sabem que carregar peso demais para quem não está acostumado, pode vir a causar dores de cabeça. Quem sabe fosse isso. Teria aguardado minha saída e às dezessete horas estaria lá o caminhão que o levaria embora. Queria que eu abandonasse meu xodó, uma das poucas lembranças que tinha do século passado. E como num ato de remissão de culpa, conceder-me-ia o direito de despedir-me do meu querido aparelho.

- Se você pensa que eu não sei o que você fez, está muito enganada. – dizia eu, para ela no telefone celular

Ela fazia voz de não saber do que eu estava falando. Tática?.... Não... Éramos muito honestos um com o outro. Se ela fosse se livrar mesmo do televisor não marcaria um horário. Faria às claras e de surpresa.

A moça da frente ainda com o celular tentava desligar, o chefe parecia não deixar. Devia estar informando os papeis necessários para sua demissão. Olhava para ela com respeito e admiração, lembrava de minha esposa. Decidida e perspicaz, não abaixando a cabeça para ninguém.

Voltava ao telefone e minha esposa resolvia acabar com o mistério; diria, finalmente, o porquê precisava da minha presença as dezessete.

Olhava para a moça do celular. Ela chateada, desligava o aparelho. Desceria naquele ponto.

Coitada! – pensava eu- o mundo é injusto, faz julgamentos e nem sabe o que realmente aconteceu. Mesmo de costas ela gesticulava como uma boa moça. Parecia uma pessoa correta. Com certeza perdera o emprego. Que dó!

Coloco o meu celular no ouvido, e observo-a descer. Penso em ir lá, dizer uma palavra que a confortasse. Receio. Talvez minha intenção fosse mal interpretada. Volto ao celular e nada escuto. Com as atenções voltadas agora apenas para minha esposa, percebo que a linha havia caído.

Logo em seguida, recebo a seguinte mensagem de texto:

Amor,

Vou jogar baralho com as meninas, e vou me atrasar. Chegue as dezessete para dar o remédio para o gato, lembre-se o veterinário disse que o medicamento não pode atrasar. A janta está na geladeira, e o refrigerante no freezer. Além disso, só por curiosidade, você fica olhando as costas de todas as moças que ficam no ônibus? Se não fosse sua esposa teria ficado incomodada. Fora isso, se você ainda estiver no ônibus, quando estiver lendo essa mensagem é porque passou do ponto. Bom, em caso positivo, corra, pois o remédio do gato não pode atrasar! Conversamos a respeito das costas mais tarde.

Não me espere acordado

Um Beijo

Beth

Vinícius Bernardes
Enviado por Vinícius Bernardes em 10/03/2013
Código do texto: T4181086
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