Depressão
 

(As Curvas da Estrada de Santos)

 

 

Amo minha esposa, poucos acreditam que um homem é capaz de amar uma mulher a vida toda, em um mundo onde existe somente a desconfiança, o egoismo e o sexo. Quando ela adoeceu a primeira vez, todos os meus amigos diziam que era frescura, deixa essa mulher, diziam, eu, por outro lado, acho que menosprezei o problema, achei que fosse uma coisa rápida, uma fase, mas não foi, a depressão veio e dilacerou minha família.

 

Minha vida virou uma peregrinação por hospitais psiquiátricos, psicólogos, neurologista, até um padre eu procurei, nada da minha amada Deise melhorar, entrou em crise perpétua, ficava na cama deitada com os olhos parados e dizia que tudo doía, que a vida com dor deveria acabar logo, um neurologista de fama disse que era fibromialgia, uma doença da vida moderna que associa dor no corpo a depressão.

 

Sozinho no quarto do meu filho as vezes eu chorava, tinha que aguentar tudo sozinho, ali calado, queria mandar tudo a merda e viver minha vida, quem poderia me impedir? Mas existia um sentimento, uma angustia, um amor.

 

Como, meu Deus, uma atleta de primeira linha, uma ex jogadora de vôlei, mãe notável de um casal de filhos, professora de sociologia, despenca para um buraco tão grande e escuro que ninguém consegue penetrar?

 

Foi na páscoa que ouvimos falar da clínica.

 

Uma clínica em BH, tratava gente depressiva que melhorava em uma semana. Eu trabalhava como funcionário público, não tinha muito dinheiro, mas fiz um empréstimo, é nessas horas que o empréstimo ajuda o indivíduo pobre falido, dizem que na Grécia antiga a democracia deu certo porque havia os escravos, agora ela dá certo porque temos os funcionários públicos.

 

Cinco mil reais, esse era o preço da cura.

 

Estava tão animado que fui para a “pelada” habitual do domingo, depois do jogo senti que estava quente, tinha febre, senti uma dor forte na cabeça, e meu corpo parecia moído.

 

Procurei um hospital.

 

-Dengue, o senhor está com 35 mil plaquetas, deve ser internado imediatamente – disse o médico quase sem olhar para a minha cara.

 

-Doutor, tenho um compromisso importante amanhã....

 

-Mais importante que a sua vida? - disse ainda sem elevar a cabeça.

 

-Vou levar a minha esposa para um tratamento de depressão – expliquei em poucas palavras a maravilha do tratamento e a necessidade de levar a minha esposa a essa maravilhosa clínica. Ele, um médico na faixa dos quarenta anos, com a expressão de experiência que não se encontra mais nos hospitais de hoje, demostrada na face, nas palavras e nos gestos. Duro, porém atencioso, ficou parado me ouvindo, mesmo diante do caos no hospital.

 

-Um tratamento de depressão de uma semana? - disse o médico, cabelos grisalhos e muito magro, seu semblante lembrava um dos atores de 007.

 

-Sim, vem gente de todo o mundo para se tratar na clínica – disse entusiasmado.

 

-Eles sabem o segredo da cura da depressão? - disse ele jogando os papeis sobre a mesa, com uma tonalidade irônica e infame na voz.

 

-O senhor não acredita? - disse segurando a porcaria do meu exame na mão como se fosse uma pedra gigante com lodo.

 

-A depressão é uma doença grave, que envolve toda a família, muitos acham que ela não tem cura, quem sabe talvez um controle. Olha amigo, estou na medicina tempo suficiente para não acreditar nessa lenga a lenga, nem soluções rápidas, uma fórmula milagrosa para um problema difícil, já vi esse filme antes, acredite, não ganha o Oscar. - Sentou e continuou a falar, explodindo, literalmente acabando com todas as minhas esperanças de cura da minha esposa. - A depressão, caro amigo, não significa sair dos limites do homem, é querer voltar para eles e não conseguir – ele fez um gesto com as mão para baixo como se mostrasse o inferno – voltar para nossa vidinha, mulher, parque, futebol, trabalho, cerveja, filhos gritando, ver a vida passar sem pensar muito, sentir é tudo o que resta.

 

Ele continuou, eu estava mudo com aquelas palavras pessimistas de um médico que parecia tão bom, mas tinha uma visão horrível da vida.

 

-Existe uma centena de expressões, medos, angustias, sofrimentos no mundo onde o homem é perecível. Uma coisa real que lidamos é a morte. - Ele olhou nos meus olhos – uma coisa é certa, se você não se tratar, não for internado, você vai morrer, ou vai ariscar sua própria vida?

 

-Juntei dinheiro por anos para pagar esse tratamento....

 

-Hora de tratar de você mesmo.

 

-Como vou fazer com ela – disse chorando, e as lágrimas eram sinceras.

 

-Traga ela aqui morrendo, aí eu terei uma solução, por enquanto você é meu problema – disse o médico me entregando o formulário de internação – escute a voz da razão.

 

Olhei para o meu exame, para o médico e resolvi ir para casa, queria falar com ela. De alguma forma milagrosa ela estava animada com esse tratamento em BH, havia levantado cedo e comido tão bem. Aquilo tudo me animava, a clínica era nossa esperança, fizemos amor de uma forma especial, como adolescentes.

 

Ela queria conhecer o tratamento, falava sem parar na forma milagrosa que a livraria da melancolia, a minha mulher lutava para se recuperar, eu queria lutar com ela, nada me impediria.

 

Quando cheguei em casa ela estava no portão.

 

-Oi, como foi lá no médico? - disse ela, seu olhos tinham um ar sombrio, melancólico, mas ela no todo parecia melhor.

 

-Um probleminha.

 

-Nada que atrapalhe a viagem, não é? - disse segurando o cigarro.

 

-Não.

 

A viagem foi difícil para mim , senti muitas dores, quando cheguei em BH, estava com 15 mil plaquetas e sangrava pela gengiva, pude ver o desespero dela no hospital, era outra mulher, eu tinha que ariscar, mesmo que o preço fosse a minha morte. O médico com jeito de 007 nunca entenderia o que eu estava fazendo pela mulher que amava.

 

Meu nome é Marcos Lessa, eu morri, nem sei se alguém morre feliz, não sei se o meu amor é corespondido, mas morri a maneira de um poeta, por amor, aos 65 anos, feliz de ter tirado minha mulher do buraco escuro onde se encontrava, vai chorar a minha morte, tudo bem. Não que as pessoas pensem que eu arisquei a minha vida pela dela, não, não, estava ariscando, vivendo a vida sem pensar, cumprindo o que o médico me disse. Arrisquei pela felicidade, viver infeliz talvez não seja a melhor escolha.

JJ DE SOUZA
Enviado por JJ DE SOUZA em 13/03/2013
Reeditado em 09/09/2013
Código do texto: T4186482
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2013. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.