O mundo dos meus sonhos

Em certa manhã acordei diferente, sentindo-me leve e disposto. Em minha memória não havia nada que pudesse preocupar-me e em meu coração nenhuma dor importuna se mostrava presente. Aproveitando o ânimo espirituoso que me envolvia, resolvi abrir a janela do quarto para contemplar o sol que já adentrava com seus raios pela fresta. Desprendendo as trancas da grande armação de madeira, senti meu coração também se abrindo. Avistei estupefatamente o brilho do dia, enquanto uma essência repleta de beleza surgiu diante de minhas retinas. O que eu via não era o mesmo mundo de antes. Não era a mesma cidade... Era um reino de sonhos e grandes alegrias.

O trânsito era contínuo e tranquilo. Não havia carros batendo, nem motoristas apressados. Os pedestres andavam com calma, cumprimentando seus próximos com sorrisos ávidos na face. Crianças brincavam correndo pelas praças sem estarem embaixo da preocupação de pais. O céu estava lindo e exibia um azul mais que vivo. Os belos pássaros voavam por ele e entoavam uma canção urbana e alegre. Borboletas também se exibiam com suas vidas curtas e inexplicáveis, e com seus olhos desprovidos de cores. Aquele era o mundo dos meus sonhos. O mundo em que todos podiam andar sem se preocupar com violência, impunidade e discriminação. Um mundo onde os homens se amavam com amizade e cumplicidade, com carinho e dignidade. Era um mundo da natureza, outrora perdida. Do amor que sumiu em meio ao caos. Era mundo de vida, de realização e de paz.

Observando mais intensamente o cenário novo que surgira em minha frente, percebi um verde e um colorido que decoravam o asfalto limpo. Nos canteiros dos prédios haviam plantas lindas e exuberantes. Nas mãos de algumas mulheres, buquês cheios de bondade e reciprocidade. O panorama era viçoso e agradável aos olhos de qualquer um. Mas entre todos os seres vivos que faziam fotossíntese, meu olhar parou diante de um mais que chamativo vegetal: Um lírio amarelo e magnífico. Não saberia explicar o porquê de tanta magia entre aquela visão. O lírio me prendia e me desviava das outras belezas. Me fazia contemplá-lo com total emoção. Sua cor vívida me trazia a memória uma imensa expectativa. Aquele lírio... me tocou profundamente.

Fiquei a olhar para a flor alguns minutos quase eternos. Arrependi-me de todas as vezes que eu não admirei os lírios. Culpei-me por não ter beijado com os olhos as flores que já haviam aparecido em minha vida. O lírio amarelo que eu via na minha janela, num instante foi tocado por lábios de um beija-flor. A visão se tornou mais bela do que antes. O beija-flor apaixonou-se e cortejou aquele lírio com intensidade. Percebi que não era só eu que tinha sido preso a perfeição daquele pedaço de natureza com pétalas. Vi que todos que passavam também compartilhavam a visão. A flor e o beija-flor eram a atração da manhã. Tornavam o dia mais harmônico e mais excelente.

O beija-flor depois de um tempo se foi, voando com suas asas cheias de liberdade pelo límpido céu da alvorada. Deixou o lírio intacto e lindo como antes, com sua liberdade fincada em raízes de uma terra forte. O lírio continuou sendo notado por mim e por todos. Não foi subtraído pelo fato de ser deixado pelo beijador voador. Inexplicável formosura. A bela flor exalava um profundo sentimento de esperança aquele mundo novo. Resplandecia uma venustidade longe de definições.

Tocado pela aquela experiência, sentia uma ansiedade fluindo dentro de mim como um rio desaguando no oceano. Era a expectativa de tocar o solo daquele novo universo. De sentir o vento tocar em meu cabelo, de olhar os desconhecidos nas ruas e sorrir. Mas o ápice da possibilidade fez com que meus olhos fossem abertos, e que me mostrassem na realidade que eu estava tendo um sonho.

Ainda deitado na cama, vi que tudo não passava de uma intensa imaginação regida por minha mente durante o sono. Senti-me desanimado e preocupado. Ainda desacreditado, levantei na intenção de abrir a janela que não refletia nada além do que uma luz ofuscada de um dia nublado. Senti meu coração se fechar ao ver que realmente tudo era um sonho. Avistei assombrado o cinza da manhã, enquanto uma essência repleta de caos surgiu diante de minhas vistas. O que eu via era o mesmo mundo de antes. Era a mesma cidade repleta de desordem e confusão.

O trânsito era uma grande baderna. Motoristas apressados gritavam e buzinavam, aglomerando-se e colidindo suas latarias. Os pedestres andavam com imensa rapidez e nem sequer olhavam-se. Crianças eram puxadas por seus pais também apressados. O céu não refletia nenhuma luz especial por entre a imensa nuvem de poluição. Não havia pássaros além de pombos sujos que arrulhavam ao som da metrópole. Insetos imundos também preenchiam o ar com suas asas frágeis. Aquele não era o mundo dos meus sonhos. Era o mundo onde as pessoas andavam desconfiadas sentindo medo da maldita violência, vítimas também da impunidade. O mundo onde quase não existia mais amizade, cumplicidade, dignidade e carinho. O mundo do cinza que esconde o verde. Dos desastres que escondem o amor. Mundo de vidas sofridas, de sonhos mortos e olhos cansados de buscarem paz.

Olhando mais diretamente o mesmo cenário que eu já conhecia bem, avistei detalhadamente a falta de cores, e a imundície que apagava ainda mais o solo nojento de piche. Nas paredes mal pintadas dos prédios, os canteiros não continham plantas lindas como no sonho. Tinham galhos secos e lixo entulhado... Viajando com meus olhos por entre a tristeza de um cotidiano desprovido, vi que a natureza não reinava mais. Tudo era tão desolado e sem vida. Senti-me tão mal a ponto de querer trancar-me novamente e esperar o dia passar...

Mas quando eu estava quase fechando a grande janela, algo me fez fixar o olhar novamente tocando-me tão profundamente quanto no sonho. Era ele: O lírio amarelo e magnífico. O lírio cor da esperança que me fez acreditar que tudo poderia mudar. O lírio que dessa vez, só era percebido por mim. Flor bela e exuberante que exalava vida em meio aquela morte urbana. Era o lírio do mundo dos meus sonhos. O pequeno pedaço de natureza com pétalas de alegria e de expectativa. Vi que ele se destacava, mesmo que sutilmente, diante de toda insanidade do mundo real. Resolvi despedir-me da flor e agradece-lhe por tornar mais formoso meu sonho e minha realidade. Eu estava mais feliz pelo meu sonho não ser totalmente ilusão. Percebi que aquele lírio era o sinal de que o mundo dos meus sonhos poderia surgir, a qualquer momento. Então, antes que eu pudesse fechar as cortinas e a janela, avistei um beija flor voando em direção ao lírio...

Paulo Maccedo
Enviado por Paulo Maccedo em 16/03/2013
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