Cabeça Oca (2013)

Saí do trabalho no horário habitual e cheguei em casa cansado, cansado até de mim mesmo. Sentei-me sobre o sofá e deixei que minha mente se libertasse um pouco, mas eu não percebi que concedi a ela esse momento. De repente, tudo foi escurecendo e eu não me lembro de ter pensado em qualquer outra coisa. Era só o nada, um espaço infinito atrás dos meus olhos, na escuridão do meu crânio.

Rizzie e Pietra no Zoológico de São Paulo

O despertador do celular castigou o casal sem piedade.

- Amor, acorda amor! - disse Rizzie.

Pietra abriu os olhos lentamente, voltando a realidade. Soltou um bocejo quieto e discreto. Se espreguiçou.

- Que horas são querido?

- 6h30m.

Se espreguiçou e deitou de novo. Fazendo cara de preguiça.

- Mais trinta minutinhos, por favor? Deita aqui comigo... É domingo, vamos dormir mais um pouco!

Rizzie não era capaz de dizer não a Pietra. Deitou-se ao lado dela e ajustou novamente o alarme do celular para despertar em quarenta minutos. Ela logo caiu no sono, mas ele não. Fazia três meses que Rizzie havia comemorado seus dezoito anos de idade. Pietra fazia aniversário alguns dias depois do dele (e estava com dezessete anos), no mesmo mês, na mesma semana quase sempre. Rizzie não adormeceu, ficou ali olhando Pietra cochilar, imóvel, quente. Rizzie estava muito apaixonado e não viu os quarenta minutos passarem enquanto estavam ali, deitados.

- Agora vamos amor, ou chegaremos muito tarde.

- Mais dez minutinhos?

- Eu já sabia que você ia querer dormir mais, já se passaram quarenta minutos.

Mesmo contrariada, Pietra levantou com um sorrisinho no rosto. Uma rara manhã de bom humor para ambos. Tomaram café e o pai dela levou-os até a estação de trem, onde embarcaram pra São Paulo. Iriam para um passeio no zoológico. A viagem era relativamente longa, precisariam ainda baldiar para o metrô na estação final da linha de trem e seguir rumo ao Jabaquara (onde fica o zoológico de São Paulo), obviamente Pietra adormeceu no caminho. De começo, recostou a cabeça no ombro de Rizzie, mas pouco tempo depois debruçou-se sobre o colo dele. Rizzie era muito carinhoso com Pietra e passou a viagem inteira fazendo cafuné em sua nuca.

Um casal feliz e inocente.

Chegaram ao Zoológico por volta das 10h40m da manhã. Fazia Sol mas não estava calor.

- Olha o Lobo-Guará Vinnie! Parece um grande vira-lata!

- É.

Passos.

- Ei Pietra! Olha o pingüim!

- Ah! Deixa eu ver... Que bonitinho! Você sabe que eu adoro pingüins?

Passos.

- Uma suçuarana. Meu avô me contava histórias de quando elas matavam rebanhos inteiros de ovelhas ou cabritos lá pelas fazendas da Bahia.

- Sério?

- É.

- Ela parece um gato doméstico tamanho gigante.

Mais passos.

- Vamos almoçar? - Pietra gostava de comer todos os dias nas mesmas horas. Tinha um relógio interno infalível.

- Eu te acompanho.

- Não está com fome, Vi?

- Você sabe que nesse horário eu não tenho fome.

- E eu vou ter que almoçar sozinha e você vai ficar só me olhando? - armou sua expressão manhosa de imediato.

- ... Tá. Vou fazer uma força pra te acompanhar.

- Eba!

Passos, passos e mais passos.

- Amor, está ficando tarde. Vamos pra casa? - Pietra estava cansada depois de tanto andar pelo zoológico.

- Vamos sim, minha querida.

Mãos dadas.

Após um longo dia, Vinnie Rizzieri Caravela deixa Pietra em sua casa e retorna pro lar. Cumprimenta os pais e sobe para seu quarto. Se deita em sua cama. Olha para o teto: Nada pra pensar. Sorri. Assiste um filme e vai dormir. Há uma aliança de compromisso em um de seus dedos da mão direita. Nela está gravado “Vinnie e Pietra, 17 de Outubro de 2006”. Falta menos de um mês para o primeiro aniversário de namoro dos dois.

Eu acordo de mau jeito, debruçado e torto sobre o braço do sofá. A luz da sala apagada, a luz da rua invadindo pela janela. Na tela da televisão desligada meu rosto nulo é refletido e me encara, como se ainda buscasse aquela escuridão que habita o interior do crânio.

Ando pesadamente até a cozinha e abro a geladeira. Me sento sobre a mesa e um copo de uísque gelado me faz companhia. Nós dois ficamos ali, olhando a toalha de mesa e o azulejo sem pensar em nada. Uma hora se passa nessa meditação serena, vazia.

"Essas malditas lembranças..."

Coloco o copo sobre a pia.

O crânio ainda oco, ecoando os resíduos de um sonho, ou pesadelo, depende muito do ponto de vista de quem interpreta.

"Pra que pensar nela justo agora?"

Me sento frente a janela, com as luzes da sala ainda apagadas. Pelo vidro, fico observando por horas a fio os carros passarem pra lá e pra cá, ganhando distância.

Distância tão grande quanto a que existe entre nós.

Decido por fim dormir na ausência de algo mais interessante pra fazer e é assim que acaba esse dia, acabo eu, acaba Rizzie, acaba praticamente tudo...

Vinícius Risério Custódio
Enviado por Vinícius Risério Custódio em 28/03/2013
Reeditado em 28/04/2013
Código do texto: T4211308
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