Estágio Final

Essa criatura obesa, que carrega o fardo do peso de uma vida inteira. A coluna sente a massa que força as vértebras. Lembranças sobre uma infância, pensando na possibilidade de algum dia ter sido menos encorpada. Vez ou outra, um lampejo de dias em que poderia correr, em aventuras infantis. A comida deixa de ser uma necessidade, tornando-se uma forma de extravasar sua existência adiposa. Lâminas que cortaram a pele, com intuito de retirar-lhe de vez a vida. As marcas, somam-se as diversas dobras. Cada pedaço comida, representa uma nova tortura, um martírio contínuo. Os cabelos, escorridos sobre as costas, dão ainda um ar magnífico a essa figura, que seria a representação perfeita de divas de outras épocas. Podendo fazer parte de qualquer obra esplêndida de Botero.as roupas não lhe cabem mais, restando o auxílio de costureiras, que poderão cobrir com elegância, aquelas majestosas sobras.

Desafia os olhares curiosos, em dia de maior desenvoltura. Exibe decotes, que fazem a fartura de seios transbordar. Atiça a imaginação masculina, que costuma de forma geral, estar atenta ao que salta aos olhos. A maquiagem, ainda bem requisitada, auxilia diante do espelho, dando brilho a tamanhas proporções. As propagandas, bem como outras formas de entretenimento televisivo, aumentam a depressão, ao visualizar aqueles ideais estéticos, que não condizem com sua realidade. Os dentes, branquíssimos, já começam a serem maculados, pela nicotina do tabaco. O hábito de fumar foi adquirido, com baforadas enormes, formando nuvens imensas, em vários horários de cada dia. Faz pose de dançarina de can-can, só que sem o movimento versátil de cruzar as pernas. Com olhos vidrados em personagens que tenham algo próximo de sua aparência. Simpatizando com figuras bonachonas.

As mãos percorrem as cochas, sentindo as profundas celulites, que formam depressões. As estrias são como afluentes, na sua extensão corpórea. Algumas varizes ajudam a compor essa cartografia hidrográfica. Ocupa o box, com a água caindo sobre o corpo, deixando os longos cabelo receberem uma maior atenção, com uma série de cremes, shampoos, condicionadores e outros tipos de produto capilar. Pena na mãe, nos exemplos familiares, imaginando que tenha recebido essa herança, por algum motivo desconhecido. As dores que ocupam as pernas, o joelho que estala, os pés inchados. O perfume que insiste em borrifar mais do que o necessário, deixando sempre um rastro aromático. O sorriso, que esconde a melancolia, que é possível ser notada, por olhos não muito perspicazes, ao confrontarem aqueles olhos tristes. Com o tempo, o drama parece se fortalecer, aumentando os momentos de solidão, até o dia em que decide dar um basta ao que considera degradante.

Consegue acesso ao terraço, devido as escadas que faziam parte do imóvel, desde a compra. Abre a tampa da caixa d’água, esvaziando o recipiente. A caixa, de tamanho compatível ao seu, devido a necessidade em atender uma enorme residência, comporta seu corpo. Senta no fundo, ocupando boa parte do espaço. Com as mãos, puxa a tampa sobre sua cabeça, em um último movimento, antes de deixar o corpo por inteiro, deitado. As pernas doeram para subir as escadas, havia bebido uma taça de vinho. Ali dentro, não poderia mais ter forças para erguer o corpo. O registro faz a sua parte, inundando o recipiente até o limite. A mulher se debate, quando a água cobre de vez sua face. Isso faz com que passe a engolir porções de água, sufocando diversas vezes. As mãos lutam contra as laterais daquela prisão desejada. O corpo tenta lutar pela sua sobrevivência. Chega o momento em que os movimentos param. O registro entende que não existe mais forma de encher a caixa d’água, pois algo obstrui a pressão hidráulica. Algum dia alguém há de encontrar aquele corpo e há de se perguntar o porque, bem como as razões pela execução de tão inusitada forma de abreviar a vida. Mas a existência, possui mistérios, que vão além da breve compreensão destes seres chamados racionais, e que desafiam as mentes mais criativas.

Bruno Azevedo
Enviado por Bruno Azevedo em 26/04/2013
Código do texto: T4261244
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2013. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.