Outros caminhos

Na serra fazia tudo. Horta e gado, casa e animais de bico, roupa, costura e refeições. Muitos dias chovia, muitas vezes ventava, nevava de inverno ou o sol, a pino, torrava as lajes de xisto no verão. Em cada estação o uso mudava e ela, Augusta, dobrava-se em dedicação e esforços. Dura era a vida ali, naquele ermo, onde só moendo com trabalho o corpo poderia dormir sem sonhos, sem maus pensamentos. Era uma luta que nunca terminava. Sozinha desde que o homem emigrara para França há cerca de dez anos, sem filhos, sem amigos próximos e com os vizinhos a centenas de metros da sua casa, sentia-se absolutamente isolada. Quando o dia terminava sentava-se á lareira ou, de verão, a ver o céu. Numa noite dessas, com o silêncio a pesar, viu chegar o homem embiocado numa manta, cabelos desgrenhados, barba cerrada. Pulou o muro e dirigiu-se ao galinheiro. Viu-o, depois, encher de ovos os bolsos e cruzar o pátio já com a galinha morta presa pelas patas. Não reagiu quando ele, parou à sua frente e a mirou desafiador antes de uivar como um lobo e desaparecer na mata de castanheiros. Nada contou a ninguém mas foi à procura de sinais da sua presença, em demanda de uma explicação. Viu a fogueira apagada, as penas no chão e, descendo ao regato, escondida e atenta, assistiu ao banho. Nu, o homem era mais gente. Seguiu-o até à ruina do moinho e viu-o entrar. Ficava a saber que tinha um vizinho de meia-idade, atraente, ladrão. À noite, postada à soleira e sem saber porque o fazia, pôs as mãos na boca e uivou, como loba, para sul, em direção ao moinho, ferindo de sons agrestes a noite de breu. Depois, chorou durante muito tempo e adormeceu.

Acordou com o homem na soleira da casa a bater palmas para a chamar. – O seu António não volta. Prenderam-no pela morte de um polícia. Conheci-o na cadeia e trago-lhe o recado. Esqueça-o. Ele vai cumprir vinte anos. Eu estava no contrabando com ele mas não matei ninguém e a minha pena foi leve. Sou só e não tenho trabalho. Se me quiser por aqui posso ajudar. Sei que nunca casaram portanto, se quiser, refaça a sua vida. Foi isso o que me mandou dizer-lhe. Posso entrar? Augusta disse que sim e foi fazer o café para os dois.

Juram na aldeia que ouvem lobos a uivar na serra todas as noites mas nenhum dos que foram no encalço da alcateia os viu.

Edgardo Xavier
Enviado por Edgardo Xavier em 30/04/2013
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