Seus cabelos eram seu bem mais precioso

A ele não importava se estivesse gordo ou magro, se seus sapatos estivessem desbeiçados, a camisa amarrotada. Tinha nos cabelos o maior trunfo! Pelo menos, era no que acreditava.

Perdia até oportunidades valiosas de emprego pelo fato de, justamente, no dia da entrevista, amanhecer um tempo úmido, garoento, nefasto para qualquer penteado. Melhor não ir. Como poderia se apresentar assim, com a cabeça horrorosa, coberta de cabelos irreconhecíveis, mais parecidos com a cabeleira peçonhenta da Medusa? –“De certo aparecerá outra oportunidade”

Consolova-se.

Certa vez, recebeu um convite para conhecer a casa da noiva de um amigo de infância, em um lugar paradisíaco. A casa ficava na montanha, plantada em uma praia semi-deserta, cuja vista deslumbrante e caminhos secretos possuíam surpreendentes cachoeiras de água límpida e fria.

Ficou tentado a ir. O passeio parecia prometer. Comida farta, sendo o arroz e feijão de D. Lucimar, mãe de seu amigo, famoso pelo tempero inigualável, além da expectativa da companhia de pessoas generosas e divertidas.

Perguntou ao anfitrião como era o clima por lá. “-Clima de praia, oras” –“Quente e úmido, mas por ser montanha refresca à tarde.”

O convidado pensou um pouco e perguntou: “_ Posso levar o secador?” O amigo estranhou a pergunta, mas, tudo bem, podia.

Grande parte do final de semana, que deveria ser tão divertido, se perdeu, pois seus cabelos estranharam a água do mar, do chuveiro e a maresia, não aceitando ordens de escovas, pentes ou secador. Como um Sansão tosquiado, perdeu as forças da alegria.

“- Vamos tomar banho de cachoeira?” os amigos convidavam.

Ele respondia: “- Não, não posso molhar o ouvido.”- Ainda guardava um tantinho de sanidade para saber que a revelação de seus verdadeiros motivos, provocariam chacotas intermináveis.

Afligia-se para voltar à casa e correr ao banheiro para ajeitar o topete.

Entretanto, uma das moças solteiras do grupo percebeu que apesar de excêntrico, o rapaz possuía certo charme. Resolveu investir numa aproximação, afinal eram os únicos sem par e ela estava cansada de viver sozinha nesse mundo feito de casais. Sai em busca do solitário e o encontra sentado, no jardim de inverno, lendo uma revista, taciturno. Ao ver a garota se aproximar, animou-se.

Começaram a conversar e interessada em intensificar a amizade insiste para que dêem um passeio pelo jardim. Ele vai, meio a contragosto, já tinha escutado trovões e visto riscos luminosos no céu, mas para não perder a oportunidade, aceitou o convite.

Caminhavam há quarenta minutos e estavam bem distantes da casa, quando o toró desabou, lavando cabelos e dando transparências à blusa que, embora não tivesse decote pronunciado, era feita de tecido bem fino.

Olharam-se. Ele de cabelo escorrido e cara de vítima, tal qual os cachorrinhos muito peludos, quando são molhados para o banho; ela sem absolutamente nada que pudesse esconder aquilo que muito lhe incomodava: o busto de menina, numa época de seios avantajados, mesmo que artificiais. Não havia como disfarçar. Lá estavam ambos com seus maiores dissabores bem à vista de quem mais queriam impressionar.

Ele passou as mãos nos cabelos, num gesto meio desconcertado e, ela disse:

“- Como você fica bonito, assim, de cabelo molhado. Mais do que antes, com aquele penteado de cantor sertanejo”, e cruzou os braços, tentando esconder o peito.

“- E como você fica bem com essa blusa. Parece uma menina e não essas matronas peitudas que andam por aí.”

Olharam-se nos olhos, transcendendo a aparência física de cada um. Abraçaram-se, confiantes e pacificados.

Estão casados até hoje. Tiveram vários filhos, acarretando uma plástica nos seios, com implante de silicone e tudo.

Os cabelos, a cruel natureza deu cabo deles. Tentou uma peruca, mas não deu certo. Já pensou até num implante, quem sabe? Mas, ultimamente, anda muito ocupado com os negócios que, felizmente, prosperam; mal tem tempo para pentear os poucos cabelos das laterais. Acha mesmo que vai passar máquina à zero, para não precisar mais nem de xampu. Precisa aproveitar essa fase de sucesso financeiro e não tem tempo a perder com futilidades.

Célia Regina Marinangelo