CIÚME NO CEMITÉRIO (1 de 2)

Ela foi chegando de mansinho. Passou pela turma de amigos na frente do bar e não se dignou a olhar para nenhum deles. Os rapazes, no entanto, fizeram um minuto de silêncio para ver aquela beldade morena passar. Eram sete horas da noite, horário de verão, e a cerveja corria solta.

Maria caminhou rebolando em cima dos seus saltos e em seguida dobrou a esquina. Respirou aliviada. Deixou a elegância de lado sentindo os pés machucados latejarem. Detestava sandálias com dez centímetros de altura. Como havia mulheres que conseguiam se equilibrar em cima daquilo?

Logo no meio fio da calçada estava um carro estacionado, uma mulher ao volante. Maria, mancando, deu a volta e entrou. A primeira coisa que fez foi tirar as sandálias e murmurar:

- A vontade que tenho é jogar essa droga no lixo.

- Não faça isso - pediu Carlinha, dando partida no carro. - Elas custarão um dinheirão. E aí? Ele olhou para você?

“Ele” era o namorado de Carlinha, o Tom. Moreno, forte, sarado. Era o gostoso da academia, faculdade e de onde ele bem entendesse. Carlinha morria de ciúmes do cara. E havia um motivo para isso. Ela não se achava à altura do Tom.

Bonita, com curvas generosas e pernas longas, Maria escolheu bem as palavras antes de finalmente revelar.

- Olhou.

- Filho da puta.

- Calma. Todos olharam com o maior respeito, mas nenhum falou nada

Carlinha segurava o volante com as mãos crispadas. Poderia a qualquer momento atropelar alguém tamanha a sua fúria.

- Você pode me explicar o que significa olhar com “o maior respeito”?

- Bem, eles somente olharam para mim. Como o tom estava no meio, deve ter olhado para mim também. Mas não ouvi um pio.

- Filho da puta - repetiu Carlinha novamente.

- Escute, amiga - e Maria se virou para encarar a outra. - Homem é tudo igual. Qualquer bunda que passe pela frente é certo que eles vão olhar. Faz parte da natureza, entendeu? E se o Tom está com você, é porque ele lhe adora.

- Meu namorado olhou para sua bunda?

A bunda de Maria era nota dez e ela sabia disso. Nunca se vangloriou, mas seus exercícios preferidos na academia eram para manter os glúteos durinhos e empinadinhos.

- Acho que não.

Mentira.

- Como você sabe? - Carlinha se encheu de esperanças. - Você viu?

- Com uma bunda como a sua, quem vai querer olhar para minha?

Carlinha era desprovida de bunda.

- Você acha? Será que o Tom curte minha bunda?

- Não só sua bunda como seu corpo inteiro.

Também Maria não sabia o que um homem poderoso como Tom vira em uma sem gracinha como a amiga. Mas enfim… o que vale é a beleza interior.

Mais calma, Carlinha levou Maria de volta para casa. Quando o carro parou em frente ao prédio, ela agradeceu efusivamente.

- Muito obrigada, Maria, por ter se prestado para me fazer esse favor. Se meu namorado não olhou para sua bunda é porque realmente deve adorar a minha. Ufa, que alívio! Você acha que ele me ama?

- Claro! Por que ele estaria com você senão a amasse? Nem rica você é!

Carlinha riu, as duas trocaram beijos e Maria entrou mancando no prédio, jurando que nunca mais participaria das loucuras da amiga.

*

Ela tomou um bom banho, perfumou o corpo e se sentou no sofá esperando o Tom chegar. Eles haviam combinado de ir ao cinema e depois… bem, depois era loucura total. Apaixonada, Carlinha jamais havia transado com um homem como seu namorado. Depois da primeira transa com ele chegou a conclusão que era virgem. Os homens com quem havia transado antes eram umas amebas. Não sabiam nada. Tom dava aula. Era Phd em sexo. E Carlinha tirava o maior proveito daquelas aulas de sacanagem. Que maravilha. Que sorte grande ter um homem como Tom, que a amava e achava sua bunda a melhor de todas. A ponto de ignorar o rabão da Maria. Como sou feliz, pensou Carlinha, sentindo-se a mais desejada do universo.

O celular tocou. Era ele. Miando, Carlinha atendeu.

- Alôooo…

- Oi, amor - a voz dele estava diferente.

O coração da Carlinha acelerou. Algo estava errado.

- Oi, benhê… Você vai demorar?

- Então… aconteceu um problema.

Todo o ar fugiu do corpo dela.

- Que problema? Que problema? Como assim, problema?

- Minha tia morreu.

Houve um silêncio das duas partes. Tom ficou esperando uma resposta da namorada, que não veio por ela estar engasgada. Depois de alguns segundos, ele perguntou:

- Ei, meu anjo… você está por aí?

- Estou - Carlinha tomou um longo gole de água, já na cozinha. Filho da puta mentiroso. - Estou chocada. Para falar a verdade, nem sabia que você tinha alguma tia. Ou parentes.

Ela controlava-se para não voar no pescoço dele, coisa que certamente teria feito se ambos estivessem frente a frente.

- Minha tia Cacilda teve um treco, sei lá. Minha mãe me avisou faz pouco.

- Que tipo de treco, Tom?

- Acho que foi coração.

- Ah…

- Então é o seguinte. Vamos deixar o cinema para amanhã. Essa noite vou ficar em função do velório. E preciso dar uma força para minha mãe. Deixa que eu ligo pra você quando der.

O vazio que Carlinha sentia estava misturado com uma raiva do cão. Que desculpa furada. Matou a tia!

- Está certo, então - de posse de uma faca, Carlinha esfaqueava sem parar um saco de arroz. Os grãos já se espalhavam pelo chão da cozinha. - Ah, o enterro vai ser onde?

- No cemitério Santo Senhor - e ele suspirou. - Puxa, que noite dos infernos eu vou ter.

- Pobrezinho do meu amor - Carlinha murmurou, cínica. - Todos meus pensamentos estarão com você, viu?

- Eu sei. Até amanhã. Beijos, boa noite.

- Beijos, gatinho.

Ela desligou o telefone à beira de ter um treco também. E sua cabeça começou a fervilhar. Maria. Maria e sua bunda. No mínimo o Tom havia ido atrás dela, marcaram um encontro e a noite de ambos seria no motel. Tia Cacilda! Essa aí nunca havia existido, isso sim.

Possuída, Carlinha ligou imediatamente para Maria. A mãe atendeu. Disse que a filha estava muito cansada e tinha ido para a cama cedo. Agradecendo docemente, Carlinha desligou o celular excomungando até a terceira geração. Ah, mas aquilo não ficaria assim. Iria tirar a prova. Onde seria mesmo o falso enterro da tia Cacilda? Cemitério Santo Senhor? Muito bem. Era para lá que a Carlinha iria.

O Tom me paga.

... continua ...

Patrícia da Fonseca
Enviado por Patrícia da Fonseca em 28/05/2013
Reeditado em 28/05/2013
Código do texto: T4314072
Classificação de conteúdo: seguro