A GRANDE FUGA
 
Há muito que venho planejando sair destas grades. Fui, aos poucos, armando-me de coragem. Na verdade, ainda não possuía a força necessária. Mas daqui debaixo ficava olhando, imaginando quando escalaria.

Foi um tempo de planejamentos. Vibrava a cada conquista. Precisava sair da prisão e enfrentar o mundo. Queria novidades. Sabia que o mundo lá fora era uma selva, que poderia me perder. Mas a aventura me excitava. Valeria a pena correr o risco. Minha imaginação me encorajava.

Já estava cansado de tanta incompreensão. Apertavam, aprisionavam, mas não consultavam o que eu queria. Tudo era imposto. Ninguém me compreendia. Impunham-me um regime de vida que me desagradava.

Ás vezes, nos momentos em que meu coração se acalmava, até compreendia a ação deles. Pensavam no meu bem. Disto tenho certeza. Somente queriam minha felicidade.

Mas eu queria era a liberdade. Aventuras era o meu sonho. E não me digam que seria loucura deixar o conforto e a segurança que tinha, longe de perigo, para enfrentar o desconhecido.

Precisava tentar. Sem isto, como poderia saber o que é bom, o que é conforto, o que é segurança, se não sentisse em minha própria carne o prazer de enfrentar o que me aguardava?

Finalmente, chegou o dia.

Esperei que não estivesse ninguém por perto. Escutava o silêncio, que era minha garantia. Preocupados com os seus afazeres, por momentos tinham desviado a atenção de mim. Pensavam que me tinham seguro. Era a hora.

Meu coração batia descompassado. Sabia dos riscos. Mas não vacilava. Com extremo cuidado e esforço, consegui galgar a liberdade, escalando as grades.
Suspirei aliviado.

Já fora, descortinava um mundo diferente.

A floresta densa. Havia dificuldades em meu caminho. Tentaria de tudo. Não poderia fraquejar. Afinal, estar fora das grades era o primeiro passo.

Fui afastando os obstáculos. Cada vez que me enredava e caía, mas interessante e justificada achava a fuga.

Deparei com animais na floresta. Estanquei assustado. Como poderia passar por eles? Enormes olhos me espreitavam. Eram bichos que conhecia, poderiam se tornar aliados. Mas outros não. Se algum dia eu os vi, já tinha esquecido.

Sentei um pouco para descansar e fiquei traçando estratégia para enfrentá-los e passar adiante.

Fiz-me quase imóvel e fui-me esgueirando. Eles me acompanhavam com o olhar curioso, mas não me impediam de avançar.

Foram momentos que pareciam uma eternidade. Eu conseguira! Eu conseguira!  Vibrei intensamente. Voltei-me e olhei mais uma vez. Haviam ficado para trás.

Mas meu caminho não estava livre. Sabia estar a floresta cheia dos mais estranhos perigos.

Na minha frente havia uma caverna. Era de difícil acesso. Mas não iria desistir. Mesmo por que não havia outra saída. Fui-me arrastando pelo chão. Senti o gelado em minhas mãos, mas fui adiante. Meu rosto quase tocava o chão, de tão apertado que era o local.

De repente, mesmo no escuro, vi brilhar os olhos de um urso. Fiquei em pânico. Queria gritar por socorro. Que alguém viesse me socorrer. Mas sabia estar sozinho. A aventura era só minha.

A caverna era baixa. Não podia nem me sentar. Tinha de permanecer deitado. Assim, de barriga para baixo, estiquei um braço e sobre ele coloquei a cabeça. Meus olhos não se afastam do urso.

Já enfrentara os animais, mesmo os que não conhecia, mas o urso me causava mais medo. Talvez pelo desconhecido que era a escuridão.

Imobilizado, comecei a pensar na minha vida. Claro que sabia que contava com o amor e o carinho de todos. Mas a dificuldade era a comunicação. Mesmo aos altos brados ninguém me ouvia. Sempre me impunham as coisas. Jamais me consultavam. Quando se tratava da alimentação, pensam que tinha liberdade de escolher? Nunca. Tudo era imposto. Quando trancava insistentemente a boca, numa greve de fome, ficavam assustados. Então, era um desfile de comida. Sempre vinha uma diferente. Mas não aceitava. Mesmo por que não estava com fome. Mas não deixavam de insistir. Sentia-me sufocado por eles. Apertavam-me, enrolavam-me, mas nunca me consultavam. Faziam-me festas, palhaçadas, tudo para me verem rir. Eu fechava a cara. Segurava para não dar gargalhadas. Às vezes, não me aguentava e explodia em risos. Então, era tudo festa. Não cabiam em si de contentes.
Foi aos poucos me veio a ideia de fugir.

Mas agora, aqui deitado neste chão frio, meu rosto quase colado ao solo, olhando os olhos do urso feroz a minha frente, com o braço ficando adormecido, um pânico se instala.  E se ninguém me encontrar nesta caverna?

Já penso que mesmo atrás das grades era melhor do que aqui. Pelo menos tinha mais liberdade. Que vontade de gritar por mamãe. Sei que num segundo ela estaria me socorrendo.

Mas estou cansado. O sono começa a tomar conta. Já não consigo nem olhar para o urso medonho. Vou dormir um pouco. Mesmo dormindo, posso viver novas aventuras, sonhar com a liberdade. Andar por campos floridos, nadar em águas frescas, saciar a minha sede de conquistar novas paragens.
                       
— Anita, você tirou Rafael do berço?

Anita aproximou-se, trazendo nos braços as roupinhas do bebê que acabara de passar.

— Não dona Sibila. Estava passando as roupas.

Sibila ficou assustada. A primeira coisa que fez foi olhar para a janela do quarto. Trancada. Ninguém poderia ter entrado ou saído por ali.

Mesmo assim, ficou em pânico.

— Será que o Roberto chegou, retirou o menino do berço, e  não vi?

— Não, dona Sibila, o Dr. Roberto ainda não chegou.

Sibila começou a chorar.

— Ajuda-me, Anita, por favor! Diga-me o que aconteceu.

Embora também assustada, Anita manteve-se tranquila. Rapidamente seu olhar percorreu o quarto. Os brinquedos derrubados, fora da ordem em que colocara poucos minutos antes. Olhou para debaixo do berço.

— Veja, dona Sibila! Que coisa mais linda!

As duas deitaram-se no chão e ficaram olhando para debaixo do berço. Lá estava Rafael, o bebê de oito meses,  em sono profundo. 





 
MADAGLOR DE OLIVEIRA
Enviado por MADAGLOR DE OLIVEIRA em 31/05/2013
Reeditado em 21/06/2013
Código do texto: T4318897
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