"O EQUÍVOCO"

“O EQUÍVOCO “

Toda noite, antes de me deitar, ai pelas 11:30h e meia-noite, levo o meu cachorro, o Vasquinho, ao jardim para fazer suas necessidades. Ele é o meu companheiro inseparável e só dorme dentro de casa... Enquanto ele fica andando , procurando o lugar para largar o produto que o está incomodando, vou para o muro e fico observando as poucas pessoas que passam nessas horas da noite.

Moro numa rua, onde o fluxo de carros é muito grande, porém, nesses horários, é mais calmo. Os motoqueiros é que se aproveitam da rua tranquila para acelerarem as suas motos e passam numa velocidade incrível, que nem um bólide... Ás vezes, a corrida é tripla, paralelamente, com se estivessem apostando corrida...

Noite dessas, estava debruçada no muro, olhando a rua (minha frente fica sobre a garagem e, portanto, o muro também, motivo pelo qual, posso ficar à vontade, sem preocupação com as pessoas que passam), quando olhei para baixo e vi um mendigo, passando tranquilamente, segurando um saco preto, embolado em baixo do braço. Pelos cabelos, vi que era um negro, mas tudo nele era negro, desde a roupa suja, a pele, uns chinelos de dedo, velhos... Só não pude ver-lhe o rosto...

Fui dormir pensando como uma pessoa chega a esse ponto sem que ninguém faça alguma coisa por ele! Como pode viver dessa maneira? Provavelmente, o saco que ele carregava era um cobertor velho para se proteger do frio, num canto qualquer, onde pudesse se abrigar, usando como cama, papelões que deixam pelas ruas.

E assim, por mais duas noites, eu o vi passando sempre tranquilamente... E sempre no mesmo horário.

Na primeira oportunidade que tive, comentei com a minha filha Teresa Cristina, sobre o mendigo e falei da minha preocupação de ver situação tão deprimente...

- Mãe... – disse-me Cristina : - A senhora quase não sai de casa. Por isso, não vê o que se passa pelas ruas: muita gente drogada, mendigos de toda a espécie, seja idosos, jovens e até crianças, abordando as pessoas, pedindo esmola e, alguns, até assaltando... O crack, está em todos os lugares, difícil de combater...

- Sei disso, filha, claro que sei! Sou mais do que informada: através de jornais, da televisão, etc. Mas o que me deixou intrigada é que ele não parece uma pessoa que usa droga. Seu andar é calmo e equilibrado...

- Já percebi, mãe, que a sua magnanimidade, está a buzinar no seu ouvido que a senhora gostaria muito de poder ajudá-lo...

- É verdade... Se, pelo ao menos, ele pedisse, eu o faria, nem que fosse para encaminhá-lo para uma instituição que o ajudasse... Se tivesse fome, pelo adiantado da hora, eu lhe daria um sanduiche com um suco; se estivesse com frio, eu lhe arranjaria umas roupas usadas ou até um cobertor...

- Mãe, esquece esse mendigo. Não podemos fazer nada. Essas pessoas, muitas delas optam, por conta própria, por viverem na rua, por motivos obscuros que ninguém sabe o por quê.

Terminado o diálogo com minha filha, resolvi não pensar mais sobre aquele pobre coitado. Não adiantava. Não podia fazer nada; ainda assim, pensei nele. Rezei por ele.

Duas semanas depois, fui ao portão receber uma correspondência que exigia a assinatura e fiquei conversando, por uns segundos, com o carteiro, assuntos corriqueiros...

Era por volta de meio-dia, o carteiro já se despedira, quando vejo, parado em frente ao meu portão, o mendigo, aquele que me marcara pelo seu aspecto impactante. Só que era dia e então, eu pude ver que aquela negrura, nada mais era do que graxa: na roupa, nos braços, no pés e até no rosto. Um rosto sereno que me pedia uma informação:

- Por favor, a senhora conhece a dona Mercedes? Meu patrão disse que a casa dela, fica em frente a este clube. (E apontou para o clube, do outro lado da rua), mas ele não lembra do número... Eu preciso avisar pra ela que o carro dela está pronto e que ela pode buscar...

Ainda espantada com tamanho “EQUÍVOCO”, fiquei um pouco sem fala, mas logo me recobrei e, gaguejando um pouco, consegui informá-lo de que dona Mercedes morava aqui ao lado.

Ele agradeceu e antes de se encaminhar para a vizinha, num impulso incontido, perguntei-lhe:

- Quer dizer que o senhor trabalha numa oficina mecânica?...

- Sim, aqui bem perto, na Abolição... Porque a senhora está perguntando? Pelas minhas vestes, qualquer pessoa, adivinharia...

- É... que... que ... Eu o tenho visto passar por aqui, sempre por volta da meia-noite. Trabalha assim até tão tarde? Confesso que vendo-o com essa roupa e todo sujo de graxa, durante a noite, me pareceu que o senhor era um...

- Um mendigo, não é verdade? _ perguntou...

- Perdão, mas foi isso mesmo que pensei. Desculpe! Mas, e o saco que o senhor sempre trás colado no seu corpo? _ perguntei

- São ferramentas de valores mais altos que, a pedido do meu patrão, trago para casa para evitar que ladrões entrem lá e as roubem. A oficina já foi assaltada duas vezes.

- Fico feliz por saber que o senhor é um trabalhador e que tem a confiança do seu patrão. E pensar que eu cheguei a imaginar que o senhor dormia na rua. Peço desculpas mais uma vez. Mas o fato de dormir na rua, não desqualifica a pessoa, ela é um ser humano e, como tal, merece a ajuda e atenção de todos, principalmente, dos governantes.

- Também penso como a senhora, mas não precisa pedir desculpas... Outras pessoas, também, já me confundiram com morador de rua e chegaram a me oferecer comida e até esmola...

- E o senhor, o que respondeu?

- Esmola, não. A gorjeta sim. Quando a gente entrega o carro pronto, geralmente, me dão uma gorjeta, uns trocados que me ajudam no café da manhã. Sou viúvo e não tenho quem faça o meu dejejum; por isso tomo a média com pão e manteiga, na padaria. Meu patrão é muito amigo e divide comigo o seu almoço e jantar...

- Então, Sr. mecânico de automóveis, foi um prazer conhecer o senhor e saber que não é quem eu pensei e sim um trabalhador honesto... Por favor, pode bater ai ao lado. e chamar a dona Mercedes. Boa tarde!

Quando contei pra Teresa Cristina, o meu “EQUÍVOCO”, ela respondeu, rindo:

- Que furada, hem, mãe... A senhora tem que refazer essa sua acuidade visual, para não cometer novos enganos...

- É verdade... Minha visão nunca foi muito boa, mas não dizem que, à noite, no escuro, todos os gatos são pardos??...

Tete Brito
Enviado por Tete Brito em 02/06/2013
Reeditado em 02/06/2013
Código do texto: T4321828
Classificação de conteúdo: seguro