O meu cavalinho mágico

O Adalberto foi um grande amigo que eu tive no tempo do colégio. Ele era boa pinta, bom de conversa e muito popular entre as garotas, de modo que ser amigo dele foi muito conveniente e me ajudou muito a lidar com a minha timidez diante das garotas. Mas o tempo passou, nos formamos e a vida cuidou de nos separar. Soube muito tempo depois que ele estava no ramo de automóveis usados o que me pareceu muito adequado para o tipo extrovertido que ele era.

Outro dia, por acaso o encontrei quando procurava um restaurante para um almoço rápido. Foi uma alegria muito grande reencontrar o amigo que há tanto tempo não via. Ele me abraçou efusivamente, perguntou como eu estava; o que eu fazia e me pediu praticamente o relatório da minha vida desde aquela época. Disse-lhe que estava casado e que recentemente tinha realizado um sonho da minha vida, que era adquirir uma pequena chácara bem próxima da cidade e nela passei a morar com a minha esposa.

Em seguida ele passou a relatar o momento recente da sua vida. Disse que no momento estava muito bem, mas que poucas semanas atrás estava tão deprimido que havia pensado seriamente em se matar. Contou-me que embora casado e apaixonado havia traído sua esposa e que por causa disso ela o havia abandonado. Ela teria partido para o exterior levando consigo as crianças de forma que ele ficou totalmente só. Segundo me confidenciou, ele ficou muito deprimido, sem vontade para fazer mais nada e vivia sem sair de sua casa há algumas semanas e havia decidido a tirar sua própria vida.

- Foi quando aconteceu um milagre. Disse. E em seguida contou-me a seguinte história.

Um dia ouvi um ruído estranho e me levantei para verificar o que estava acontecendo. Para a minha surpresa havia um cavalo solto no meu quintal, pastando tranquilamente como se fosse a sua casa. Fiquei assustado, mas quando vi que era mansinho. Talvez por causa da minha solidão, acabei me afeiçoando ao cavalo, dei-lhe banho e deixei que comesse a grama que havia em abundância no meu quintal. Quando a noite chegou deixei o portão aberto para que ele pudesse ir embora e fui dormir. Imaginei que no dia seguinte quando eu acordasse ele teria partido. Mas não foi o que aconteceu.

Quando amanheceu, senti a claridade ferindo os meus olhos e acordei. Alguém havia aberto todas as janelas de modo que o sol da manhã pudesse aquecer o ambiente. Fui para a cozinha e encontrei tudo arrumadinho, os pratos e as panelas sujas do dia anterior tinham sido lavados. E mais, havia na mesa um café cheiroso pronto para ser servido, junto com o pão, doces, frutas, sucos e outras guloseimas, enfim um café da manhã completo. A porta estava aberta e lá fora o cavalinho me olhava como se dissesse “bom dia”.

Não acreditei no que estava acontecendo, mas tomei o meu café da manhã, alisei a cabeça do cavalinho e saí para arrumar as minhas idéias e entender o que estava acontecendo. E foi bom ter saído, pois revi alguns amigos com quem pude conversar sobre a saudade dos meus filhos, falar dos problemas que estava enfrentando e ouvi muitas palavras de apoio. Acabei esquecendo-me completamente do que estava acontecendo em casa e, no final da tarde quando cheguei, tive uma surpresa ainda maior. A casa estava toda limpa, a cama arrumada, as roupas sujas estavam lavadas e passadas; e um lauto jantar me esperava fumegante e o cavalinho tranquilamente observava a minha surpresa.

Na verdade custei a ligar o acontecido com a presença do cavalinho, afinal não tem cabimento imaginar um cavalo limpando, arrumando e cozinhando, e ainda mais de modo assim tão maravilhoso. Mas não havia ninguém na casa há muito tempo e via-se claramente que o cavalinho não era um animal comum. Ele era meigo, calmo e transmitia uma serenidade incomum apenas com o seu modo de olhar.

Você tem todo o direito de duvidar, mas desde então a minha vida se transformou. Tenho tudo que preciso em casa. Uma companhia agradável, que me escuta embora não fale e cuida de tudo que eu preciso. E assim, graças a esse cavalinho mágico estou vivendo outra vida. Sem desavenças, sem aborrecimentos, com todo o conforto que nunca tive em minha vida. Um dia vou te levar em casa para conhecer a minha humilde morada e o meu cavalinho. Concluiu.

Claro que eu não levei muito a sério, mas fiquei muito feliz de rever meu amigo de adolescência. Trocamos nossos números e passamos a nos falar pelo celular de vez em quando. E todas as vezes que nos falávamos ele me contava uma nova maravilha que o cavalinho dele tinha proporcionado.

Enquanto isso, a minha pequena chácara se mostrou um pequeno desastre. Minha esposa não se adaptou ao lugar e começamos a discutir diariamente por causa daquela decisão que me fez gastar todas as nossas economias. Por fim depois de várias desavenças mais fortes ela acabou me deixando. A chácara sonhada, sem a presença da minha amada, se tornou um pesadelo. O mato crescia numa velocidade espantosa, as flores que enfeitavam o lugar rapidamente desapareceram e a casinha que me pareceu tão linda se tornou um lugar frio, úmido e solitário. Praticamente insuportável.

Foi nessa condição que encontrei novamente o Adalberto. Ele estava muito bem, risonho, alegre, bem arrumado, me pareceu até mais jovem. Disse que desde que aquele cavalinho entrou na vida dele nunca mais soube o que era aborrecimento. Imediatamente ele percebeu que eu estava muito mal. Cabelos crescidos, barba por fazer, roupa amarrotada, triste e mau humorado. Perguntou-me o que havia acontecido, e eu contei-lhe toda a minha frustração. Na verdade, ao vê-lo assim tão bem fiquei de certo modo ressentido e com inveja acabei falando que eu estava assim porque não tinha um cavalinho como o dele. E ele me olhou sério e interrompeu nossa conversa afirmando. Meu cavalinho é um verdadeiro amigo, não é uma mercadoria que esteja à venda. Levantou-se e saiu sem se despedir, ofendido.

Isso me deixou constrangido, mas deprimido como estava acabei não fazendo nada. Não liguei para me desculpar nem fiz qualquer gesto nesse sentido. Apenas fiquei remoendo a minha solidão. Entretanto, no dia seguinte o meu celular me tirou da melancolia. Era o Adalberto. Falou que sentia muito ter agido daquela maneira, que sabia que eu não estava bem e o quanto precisava de ajuda e que embora sentisse muito se separar daquela maravilha ele me daria o cavalinho como prova da nossa amizade.

Disse-lhe que não precisava e que eu não era merecedor de tamanho sacrifício. Mas ele disse que não podia deixar um amigo se acabar sem fazer nada e que por isso ele cederia mesmo sendo o cavalinho a única coisa de valor que possuía. Disse-lhe que eu possuía um dinheiro guardado na caderneta de poupança e que gostaria que ele aceitasse embora soubesse que o cavalinho valia muito mais. Meu amigo se mostrou meio ofendido com a proposta, mas por fim depois de muito relutar acabou aceitando como forma de não me deixar em dívida com ele.

Depositei o dinheiro na conta dele e no mesmo dia ele me trouxe o seu cavalinho. Chegou risonho, apertou a minha mão e disse que estava se separando do seu melhor amigo. Beijou, abraçou seu pescoço e em seguida partiu como a esconder suas lágrimas. Isso aconteceu era no final da tarde. Quando a noite chegou fiquei sem saber como cuidar do meu cavalinho.

- Deixo no quintal ou ponho para dentro de casa? Pensei. Afinal não era exatamente um simples cavalo. Depois de muito pensar, decidi que o melhor seria deixá-lo dentro de casa. Levei-o para a sala, tirei a corda do seu pescoço e em seguida, fui para o meu quarto, fechei a porta e dormi. Custei um pouco para pegar no sono, mas acabei dormindo um bom sono. Sonhei que a minha amada estava de volta, que ela se encantou com o cavalinho e que vivíamos os três sempre numa harmonia maravilhosa.

Entretanto uma grande surpresa me aguardava pela manhã. Assim que acordei, rapidamente saltei da minha cama e corri para ver o que o cavalinho havia aprontado para mim. Quando abri a porta do quarto um forte odor de urina e fezes de cavalo invadiu minhas narinas. A sala estava toda destruída, o sofá pisoteado pelo animal estava em frangalhos e revistas e jornais estavam pisoteados e rasgados em meio ao caos formado pelas fezes e urina espalhadas pela sala exalando um odor insuportável.

Desesperado, corri para a janela, abri com urgência para que um pouco de ar puro pudesse entrar. Olhei ao redor e vi a sala toda destruída. Imediatamente retirei o cavalo da sala, e em seguida passei a lavar toda a casa que estava mesmo um nojo. Levei quase o dia inteiro para limpar tudo, mas o mau cheiro impregnado ali permaneceu me obrigando a ficar todo o tempo do lado de fora da casa. Indignado peguei o telefone e liguei para o meu amigo Adalberto, mas ele tranquilamente falou que talvez o cavalinho tivesse estranhado a casa ou talvez não tivesse me reconhecido como novo proprietário e que deveria dar a ele um pouco mais de tempo e voto de confiança. Sem outra opção, quando a noite chegou deixei novamente o cavalinho na sala e fui dormir.

Se a minha vida era um desastre até então, daí por diante se tornou uma calamidade. O cavalinho mágico destruía tudo que havia dentro de casa, sujava tudo e cada dia que passava se mostrava mais impaciente. Tive que sair de casa, pois se tornou impossível viver naquela imundície cheio de excrementos e ocupado por um animal irritado e violento. Desesperado, voltei a ligar para o Adalberto.

- Adalberto! Preciso de sua ajuda. Supliquei. - O cavalinho que você me vendeu está arruinando a minha vida. Já destruiu a minha casa, não tenho mais onde dormir e não sei mais o que fazer. Por favor, me ajude.

Foi o tom de voz e não a resposta do meu até então amigo Adalberto que me despertou para a realidade que eu estava vivendo. Ele me diz com a voz mais tranquila e descomprometida do mundo.

- Meu amigo, você só me liga para reclamar do seu cavalo. Vou te dar um conselho. Não fique falando mal dele. Do jeito que você fala ninguém vai querer comprar o seu cavalo.