Tipuanas e Sibipirunas...

Era um homem de estatura mediana, cabelos e olhos castanhos claros. Tinha a tez morena do sol dos trópicos equatoriais. Aparentava quarenta e poucos anos.

Os óculos redondos e dourados davam-lhe um certo ar de sobriedade. Um desbotado casaco de linho azul marinho cobria-lhe a camisa quase branca abotoada até o pescoço.

Trazia uma pasta preta de vinil, tipo 007, um misterioso saco de supermercado, uma agenda de 2010, e um guarda-chuva que também se prestava como bengala.

Pensei tratar-se de um religioso convicto, de um vendedor de planos de saúde, de baús e de felicidades, ou ainda,

(...) quem sabe de bucólicos lotes, que, por nada deste, ou do outro mundo, pudessem sugerir as derradeiras moradas...

Considerei também a possibilidade de estar diante de um oficial de justiça, de um fiscal da prefeitura, ou, até mesmo, de um auditor da receita federal...

(...) Talvez alguém à procura de um amigo de infância ou de adolescência que se perdera no esconde-esconde do tempo.

Abri o portão. Deparei-me com o novo dia.

Àquela hora, o sol já dava a graça do seu brilho, aquecia e iluminava a manhã de mais uma primavera paulistana. Projetava a sombra do homem, a minha, a do poste da Eletropaulo, e, do outro lado da rua, a das frondosas tipuanas e sibipirunas a chover insólitos trevos, ora amarelo-esverdeados, ora verde-amarelados por sobre o muro da escola municipal.

O homem aproximou-se... fez-me reverências e confidências, contou a sua breve história, fez-me cúmplice de dramas corriqueiros que somente a ele e a ninguém mais diziam respeito. Contou moedas e notas amassadas...

Julguei que uns poucos trocados, alguns segundos de atenção e uma palavra qualquer seriam o bastante. Ficaria em paz com a minha consciência, e o homem retomaria o seu caminho... Eu trancaria o portão, e estaria livre para cuidar dos mais emergentes afazeres diários... Afinal, a semana mal começara, ainda havia uma segunda-feira, e, como era dezembro, mais um Natal se aproximava ...

Sem que ele nada dissesse ou pedisse, levei a mão direita ao bolso de trás da velha calça de brim, abri a carteira, e, por último, do bolso interno da jaqueta, tirei o surrado porta-moedas...

Juntei ao todo dois reais; uma nota de um real, uma moeda de cinqüenta centavos, outra de vinte e cinco, duas de dez e mais uma de cinco.

De cabeça baixa, parecendo envergonhado, o homem esticou o braço direito, e, em forma de concha, abriu a mão rude e calejada; revelou destinos tortuosos, indecifráveis...depois fechou-a e levou-a ao bolso.

Olhando para o alto, apelou a Deus para que me pagasse, e, em monástico silêncio, retirou-se sem dizer palavra...

Virou à direita na esquina adiante, e, em meio a uma algazarra de eufóricos estudantes, desapareceu sem olhar para trás... deixando-me na companhia do impassível poste da esquina e das frondosas tipuanas e sibipirunas, que, ao sabor do vento, não paravam de fazer insólitas sombras no silêncio do muro da escola pública...

FIM

Conto de Zizifraga

Fevereiro de 2013

Nota:

(1) Tipuana (Tipuana tipu)- das vertentes dos Andes, encontrou notável progresso no sul do Brasil. Floresce na primavera, com cachos de flores amarelo-ouro de aroma agradável. De tronco rústico, de casca escura e superfície enrugada. As folhas, compostas de folíolos ovais, caem no inverno.

Sibipiruna (Caesalpinia peltophoroides)- essa espécie de árvore, que costuma viver por mais de um século,é muito confundida com o pau-brasil, devido à semelhança da folhagem. Em estado nativo, é mais facilmente encontrada na região Sudeste

Zizifraga
Enviado por Zizifraga em 03/06/2013
Reeditado em 20/06/2013
Código do texto: T4322908
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