JANJÃO - Em "A METÁFORA "

A terceira filha do Janjão, que já emplacava os dezesseis, mais uma vítima da miséria que ronda o cidadão brasileiro, enganados pelas promessas absurdas que maculam as administrações públicas, não pareceu contrariar o pai quando chegou em casa com uma boa quantidade de feijão catado e limpo. Só teve que responder ao olhar interrogativo do velho quando este lhe fez entender que a procedência daquela mercadoria carecia de uma explicação.
- Dei na roça do seu compadre ,pai...
Não que abastecesse manias como essas mas não lhe propôs redimir do mal porque na verdade “há males que vem pra bem”, já dizia seu velho tataravô que na terra não é lembrado nem em dia de eleições.
Se essa porção do feijão foi festa para a prole, que já minguava com um mingau ralo de fubá , imaginem para o bolso do Janjão que suportou mais alguns dias sem ser molestado ou dele ser exigido qualquer esforço. Isso porque aquelas crianças não sentiam dores de nada já que nada tinham que doer no organismo porque água não causa esse tipo de problema.
E aconteceu que, mal acabou esses dias, a velha xícara de cabo pela metade arranhava o fundo da lata, por sua vez amassada pela força do uso, e isso lhe ouriçava os cabelos, quando a guria, a mesma, chegou pela tardinha, desta feita com um bocado de arroz, catado e limpo..
- Uái !...
Mas a menina já sabendo que, apesar do bem que fazia para a família, tinha que justificar o proceder, foi logo respondendo.
- Dei na roça do seu compadre, pai...
E assim se passavam os dias, ora arroz ora feijão e era só arranhar a velha lata carcomida pelo tempo e lá vinha a menina do Janjão encher aquele vazio. E enchia também a pequena geladeira, que ultimamente só conhecia água em garrafas de refrigerantes que os vizinhos bebiam e se desfaziam delas.
Numa manhã o Janjão saiu cedinho, após examinar suas velhas latas e a geladeira, e não se preocupou com a ausência de tudo pois já se acostumara a encontrar a casa abastecida quando voltava. Mas nesse dia não foi assim. Enquanto fazia cerimônias para indagar , observou que sua filha, acometida de algum mal, vomitava. Olhou para a guria que, por costume sabia que teria que dar uma explicação do seu proceder, e exclamou
- Uái !...
E a guria não se fez esperar .
- Dei na roça do seu compadre, pai...
TiaoNascimento
Enviado por TiaoNascimento em 01/04/2007
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