O MENDIGO E O ATOR

Ali naquela esquina uma cena chamou-me atenção. Ao lado do hotel há uma barbearia, onde toda noite se encostam dois carros de churrasco. Ali tem de tudo, tem até cachaça! Na esquina da frente há um posto de gasolina que fornece uma ótima iluminação. Ao lado da barbearia fica um barzinho, o “Copo Sujo”, cuja dona é uma velha gorda que tem três cachorros. São eles que ficam aproveitando as sobras. Na esquina, o prédio do hotel fornece uma ótima sombra à tarde.

Por eu ter morado ali por um longo tempo, não tinha como não cruzar toda tarde com cinco distintos mendigos, fora alguns outros mendigos transeuntes e alguns aspirantes a mendigos. Estes ainda não aceitos na comunidade, porque ainda usavam roupa limpa e consumiam grandes quantidades de bebida. Não tinha como não decorar os nomes deles, pois eram cinco verdadeiros atores, todos sabiam como conseguir as coisas. Nunca pediam nada! O bola herdou esse nome por ser um pouco gordo. Era o cantor. Sabia as letras de quase todas as músicas e quando parava um carro e abria o som, cantava junto e fazia mais sucesso que o artista! Bola me contou que sempre quis ser um artista, mas a vida só lhe deu a voz e gordura. O Pelego herdou esse nome por ser muito peludo. Era um hábil contador de histórias! Até as crianças paravam para ouvi-lo e apreciá-lo. Um ator nato! Contou-me que queria ser professor, mas não teve oportunidade de aprender a ler e escrever... Pelego amenizava a dor de seus amigos com intermináveis casos e causos. Quando moço, Pelego ganhou algum dinheiro, mas gastou tudo porque não tinha onde guardar, nem a quem deixar! Pelé, o único negro da turma, falava muito pouco! Nunca vi seus dentes. Tinha sempre que fazer alguma coisa. Não possuía nenhuma habilidade e nenhum jogo de cintura. Pelé me contou que nunca conheceu o amor de uma mulher, embora conhecesse algumas... O Boca herdou este nome ainda muito jovem, época em que perdera todos os dentes...Ah! mas o Boca tocava vários instrumentos, embora nunca tenha conseguido possuir nenhum. Quando chegava algum caminhoneiro trazendo na cabine uma sanfona ou um violão, aí, o brilho era do Boca! Boca me contou que sempre quis tocar numa banda, mas nunca foi aceito. Talvez por ser um pouco retardado – ele justificava. Já o Panela herdou esse nome por ser o artista da cozinha. Panela me contou que sempre quis ter seu restaurante, mas nunca chegou a ser nem um feirante! Cuidou de mãe uma vida inteira, até levá-la à pedra fria.

Ali perto do bar “Copo Sujo” existe uma grande marquise e uma árvore frondosa: o palácio daquela comunidade. Dizem que o Boca quase chegou a ter um “love” com a velha gorda do “Copo Sujo”, mas dizem que ela gosta mesmo é de seus cachorros!

Cada um com suas manias. Todos conhecem suas fantasias. Se conhecem tanto, até mesmo no jeito de olhar, não precisam nem se falarem. Ainda não temos palco nem diretores para os mendigos, mas ninguém consegue roubar-lhes a cena!

Eles me deixaram encabulado por um longo tempo. Vocês perceberam?! Um certo dia comecei a notar a inteligência de Pelé quando entrevistei aquela tribo. Tive uma surpresa: me contaram que o mendigo sabe quando vai morrer! Que foge para o mais distante que puder para não ouvir o choro dos amigos! Me contaram que naquela comunidade só foi aceita só uma mulher, mas ela provocava briga entre eles todo dia! Então, em pouco tempo ela foi expulsa. Essa mulher tinha o cabelo todo esganiçado, falava tudo enrolado; me parece que era mestiça , meio índia. O Os mendigos dão de dez naqueles atores pára-quedistas, que você vê a vida inteira na televisão, mas nunca se interessa em gravar seus nomes!

Percebi que todos os mendigos usavam paletó e sempre que conseguiam usavam um paletó novo. Suas últimas aventuras pra se sentirem importantes foram em vão, pois cenário é sem importância! Vivem em comunidades para terem com quem conversar As madrugadas lhes roubam a vida. E as manhãs lhes roubam a cena!... Cena?!!

moraesvirada
Enviado por moraesvirada em 03/04/2007
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