O NARIZ

O Nariz

Naquela tarde, após sairmos de uma sessão de cinema, resolvemos aproveitar o fim de tarde para colocarmos as conversas em dia. Estava um dia quente na cidade de Curitiba. Meus amigos decidiram por uma casa de sucos e eu inquieto com aquela tarde; parecia que as lembranças atacavam todas num só momento à minha memória e eu facilmente me perdia nas imagens daquele filme, “Adeus, Lênin!”, e nós amigos tomando suco e relembrando nosso passado.

Nostalgia! Era isso.

Minha cabeça fervilhava idéias e palavras. Naqueles dias me esforçava para escrever algumas linhas e meus amigos, Deus salve os amigos, me encorajavam na minha aventura literária.

– Aí poeta. Temos boas memórias, porque não aproveita e escreve um livro?

– Verdade, eu até já tenho a sugestão pra um titulo – dizia um deles em tom solene – “Os amigos do caramanchão”.

Todos disparavam.

– Esse está mais para novela mexicana! Tem que ser algo como As memórias da XV, ou coisa parecida.

Eu ria, mas nem me manifestava estava entretido com minhas lembranças amorosas da triste Curitiba afinal fazia quinze anos que tinha deixado à cidade e sempre que voltava e revia os amigos tinha essa sensação saudosista tão fácil de ascender por aquelas ruas.

De repente reparo numa mesa no outro lado do balcão e a partir daí não conseguia mais ouvir os meus amigos e nem percebia nada além daquele suntuoso nariz.

Sim, um nariz!Estranho era! Mas não era um simples nariz e sim O Nariz.

De todas as minhas investidas amorosas bem aventuradas sempre me gabava da beleza física e da inteligência de minhas comparsas, mas pela primeira vez eu me via atraído por um nariz. Um lindo nariz, diga se de passagem.

Já esboçava algumas palavras para um poema sobre aquele nariz, meus amigos continuavam a me cutucar falando do passado e relembrando dos mais trágicos aos cômicos momentos que tínhamos vivido.

Eu estava completamente perdido nos meus pensamentos e como estava decidido a me tornar um escritor fui tomado de tal sentimento que saquei do bolso uma caneta e pequei um guardanapo e rascunhei algumas palavras declarando de forma bem piegas o meu amor por aquele nariz e terminava assinando assim: Ao nariz que me aspira: O Ar.

Esbocei um sorriso, pois na minha cabeça eu nessa altura já criara todo o enredo da vida, do encontro até ao casamento deste, quando um dos meus amigos me rouba das mãos aquele bilhete com, “argh!”, aquelas palavras e lia em voz alta em meio a risadas de todos:

–... Ao nariz que me aspira, dois pontos, O Ar.

Desabaram na risada e nas chacotas e eu nem podia perder a esportiva. Tentei brincar também. Foi impossível, todos tinham a atenção focalizada em mim querendo saber de quem era tão prestigiado nariz que merecia aquelas tão apaixonadas palavras.

– Por favor! Me poupem. Isso faz parte de exercícios que desenvolvo comigo mesmo para despertar o processo criativo.

– Nossa! E funciona mesmo – dizia dentre risos – veja quanta inspiração. Ah ah ah! Inspiração, respiração!

– Não precisa levar tão a sério a idéia de aspirante a poeta.

Não me contive. Levantei e declamei dois ou três poemas meus, se me recordo bem, e entrei na brincadeira e até me confessei apaixonado por um nariz que estava bem ali na casa de sucos do outro lado do balcão, atiçando assim a curiosidade de todos os meus amigos.

Maldita hora em que fui entrar na festa, pois eles se animaram e decidiram que eu deveria ir até à dona do nariz e me declarar. Houve até apostas e não poucas boas propostas em dinheiro para que eu quebrasse o anonimato e cruzasse aquele recinto na direção da minha Diva do Nariz Arrebitado (era assim que eles a denominaram).

Tinha que ajeitar um plano na minha mente. Meus amigos quando começam não param cedo e são insistentes com suas propostas. Eles começaram a me agitar pra empreitada e eu ainda não tinha conseguido uma forma de distrair eles e mudar de assunto. Então propus:

– Irei falar com ela.

Foi um alvoroço só, tentei contê-los e pedi silêncio e continuei falando. – Mas preciso da ajuda de vocês. Por favor, permaneça sentados, cada um vai pedir mais um suco assim com essa desculpa eu vou até o balcão reclamar do meu suco. Aí chegando lá, me apresento e declamo pra ela a minha poesia.

– Mas tem que contar que é homenagem ao nariz. Replicou um deles.

– Sim, sim. Eu vou contar tudo. Estamos combinados.

Nem acreditava que tinha entrado naquela onda. A muito não pagava um mico desses. Agora sim parecíamos muito como quando éramos jovens. Eu amaldiçoei todo o meu passado e a hora que inventei escrever e envolver meus amigos nisso.

O Nariz permanecia no mesmo lugar e acho que lia alguma revista enquanto apreciava um suco de não sei o que e algum sanduíche natural. Foi tudo que pude notar além do nariz e antes do alvoroço de meus amigos. Não demorou muito e pedimos mais suco e dessa vez parecia que o suco veio mais rápido do que imaginava. E minha hora chegou e meus amigos já começavam a me agitar.

Levantei com meu suco na mão e fui até ao balcão e esbocei uma reclamação tola e me aproximei o máximo possível do meu alvo. Parecia um adolescente bobo e apaixonado do lado da menina mais linda da escola sem saber o que dizer, mas tomei fôlego e falei.

– Er... Desculpe incomodar, é que eu sou aspirante a poeta e escritor e... Eu observei o seu nariz e escrevi algumas linhas...

Ela sorriu e pensei que era um sinal de prossiga, e continuei: – Eu posso declamá-lo para você? E ela consentiu.

Espanto geral! Ela adorou a brincadeira – ela pensou que era só uma brincadeira– E achou muito elegante da minha parte e também original. Urra! Ganhei o dia. Deixei meus amigos de lado e embarquei naquela aventura. Conversamos horas a fio, meus amigos tentaram de várias formas uma aproximação para saber o que estava desenrolando. Era até engraçado olhar pra eles, e eles fazendo caras e bocas buscando uma comunicação e eu ignorando.

Meus amigos foram embora e eu e o nariz permanecemos por ali durante alguns minutos suficientes pra marcamos novo encontro. Depois daquele dia tivemos muitos outros encontros (e que encontros) e eu, daí em diante adquiri a mania de escrever em guardanapos de bares e lanchonetes por onde passo e quem sabe não encontrar outros motivos pra esboçar algumas linhas e conquistar novas amizades ou amores ou aventuras.