APARENCIAS

 

 

 

                                 -Sério Doutor, essa dor de cabeça não passa é um horror, dia e noite – disse Marlene para o neurologista Carlos Maia, por incrível que parece o especialista que menos dá importância para dor de cabeça é o neurologista, Carlos era um homem de cinquenta e três anos, porém aparentava quarenta, esportista, tinha fisionomia comum.

Ele escutava a paciente com atenção, levantou a cabeça para olhar para aquela morena de olhos amendoados que poderia ser uma modelo fotografico, dessas que se vê nas fotos de loja de maquiagem, sobrancelhas lindas e naturais, não via uma beleza simples dessas onde andava.

-Não tem uma ansiedade ai, um estado de depressão, quem sabe? – disse o médico enquanto escrevia no computador e esboçava um sorriso.

-Ah sim, meu filho Roberto, ele anda me dando trabalho, adolescente – disse, depois limpou os olhos – ele foi preso doutor, que vergonha meu Deus! Andou com gente que não prestava, era um menino da igreja, meu filho não é bandido... - ela se curvou em lagrimas, aquela ação a tornou frágil e encantou Carlos.  

-O pai participa da educação? - perguntou  o médico, um pouco entediado com o assunto, afinal não era a primeira vez que escutava a queixa de mãe sobre o filho usuário de drogas que era preso e dava trabalho, esse, blablá de periferia, mas estava encantado com Marlene.   

-O pai dele é morto, era motorista de caminhão, morreu em um acidente, casei novamente com um rapaz muito bom, o padrasto faz o que pode, trabalha dirigindo um táxi, eu ganho a vida na luta doutor, costureira de fábrica, doze horas de trabalho por dia, não tenho dinheiro nem tempo para nada, acho que a gente menospreza a infância e depois se surpreende na adolescência, mas eu não deveria estar chateando o senhor com essa historia, afinal já está tudo resolvido, meu filho está de volta a igreja, cumpriu a ordem do juiz direitinho, nem devia falar nesse assunto– ela sorriu e enxugou as lagrimas, certo que era mentira o final, houve um momento que ela perdeu a confiança.

O médico divagou um pouco, ele sabia que ela havia voltado atrás em abrir a historia da sua vida, o que ele fez? Pensou, será que o seu olhar a importunava, resolveu falar diretamente.

 

-Não, acho que deve falar, me ajuda a pensar em um tratamento – disse Dr Carlos. Além de ajudar na terapêutica, as palavras da moça faziam o médico pensar na própria filha e na sua banalidade, na relação pobre que sempre tiveram, ele ausente, depois o divórcio, uma estranha que ele não conseguiu conhecer.

 Que vontade de falar com aquela mulher que ela não está sozinha, que ele, Carlos Maia, neurologista, membro da sociedade americana, morador de um bairro nobre, tinha problemas iguais ou piores, que jamais conseguiria resolver, um casamento desfeito e uma filha que ele não viu crescer, um buraco onde nem existia sofrimento, na existencia pessoal de Carlos não havia nada.

Perdido nos problemas pessoais teve a sua curiosidade aguçada e então Carlos perguntou:

-Ele usa drogas?

Marlene sorriu,  o sorriso foi uma resposta ao julgamento sumário que o médico fazia do seu filho, será que todo pobre  que é preso usa drogas, doutor? Pensou secretamente.

-Não doutor, ele nem fuma, roubou para ter dinheiro, comprar um tênis importado e levar a namorada ao cinema, só tem quinze anos, ele é tão bom Doutor! Foi um menino de ouro, tão prestativo! Só que se influenciou com essa namorada nova e uns amiguinhos dela - ela ajeitou o cabelo, Carlos prestou ateção nesse gesto e achou tentador perguntar como ela conservava o cabelo tão liso e uma aparencia tão jovial, porém não o fez. Marlene não percebeu a indecisão de Carlos e continuou a historia.

-A namoradinha é de uma família melhor que a nossa, assim de posses, entende? - ela fez o gesto com o polegar que significava dinheiro, depois concluiu -  meio metida a besta, o único pecado nosso é ser pobre. O pecado do meu filho foi querer ter mais do que pode. Desculpa doutor, nossa que historia chata! Melodrama da pobreza - disse ensaiando outro sorriso. Carlos entendeu que aquilo foi definitivamente sedutor.

Marlene foi embora, Carlos fez o trabalho médico no capricho, prescreveu remédios, toneladas de exames e mandou que retornasse em quinze dias, nunca fazia isso, mas fez com Marlene, inspecionou a sua ficha, copiou o seu telefone.

Aquilo era uma maldição, Marlene e seu olhar haviam enfeitiçado Carlos que ficou pensando naquela mulher, teve uma palpitação inesperada, algo que o tirava do seu eixo natural, de sua vida mórbida e solitária.

Outro Carlos saiu do consultorio aquele dia, confiante, alegre e sorridente, após a consulta telefonou para a filha Valeria, ela não atendeu, ligou novamente, nada nenhuma resposta, onde está minha filha, tenho tanto para falar? Pensou.

Foi até o estacionamento, pegou o celular novamente, nada, quando viu na esquina Marlene esperando o ônibus, foi até lá, devagar com passos decididos de um conquistador, que estava disposto a lutar pela amada e uma nova vida.

-Oi Marlene, posso oferecer uma carona, sua historia me comoveu, gostaria de trocar uma ideia... – ia dizendo  o neurologista. Estava solteiro há dois anos, a sua mulher pediu o divorcio e mudou-se para Santa Catarina terra dos seus pais, deixou a filha aos seu cuidados, sentia uma solidão intensa e grandiosa, Marlene parecia uma pessoa ideal, nunca tinha encontrado mulher igual, porém a bela senhora de cor morena não deixou que terminasse a frase, falou de forma seca e decidida.

-Não doutor, meu marido vem me buscar – disse e sorriu – agradeço a gentileza, desculpe ter falado da minha vida pessoal com o senhor.

-Ok, não esqueça os exames - as unicas palavras que conseguiu falar, depois parou envergonhado só balançou a cabeça concordando, deu meia volta e foi para o estacionamento.

Carlos ficou parado dentro do carro até que viu o táxi chegar e um homem alto e moreno com cara de jogador de futebol sair e abrir a porta para Marlene entrar, de uma forma estranha ela parecia feliz! Como? Com todos aqueles problemas?

Carlos sentiu que o coração estava descompassado, às vezes a nossa cabeça exagera na paixão por mulheres que nem conhecemos, gente solitária é assim, exagera no amor que não deveríamos sentir, na coisa proibida, não era um comportamento ético, ele sabia disso.

Ligou o carro, desceu a esquina e vinte quilometros depois  parou no bar do Leo, onde andava bebendo duas a cinco cervejas todos os dias.

-E ai Doutor, vai uma gelada?– disse Leo, como sempre fazia.

-Hoje não, Uísque, dose dupla – disse o neurologista - poe uma musica internacional para tocar.

-Aqui não tem Uísque de granfino, só o de pobre, serve? - disse Leo - ah doutor,  musica nesta birosca só sertaneja.

-Serve os dois – Carlos falou e foi sentar no final do corredor de mesa, estava melancólico e não parava de pensar em Marlene, que bela mãe, preocupada com o filho. O casamento de Carlos foi uma derrota, uma farsa completa, casou com uma pessoa fútil ligada a roupas e dinheiro, quem dera ter casado com gente de verdade como Marlene.

Três uísques e já estava tonto, pediu mais dois, saiu com passos imprecisos, ligou para a filha novamente, ela atendeu e disse.

-Você bebeu, que voz é essa? -  desligou sem responder, como uma filha fala assim com o pai, adolescente moralista, ele não podia tomar umas doses de uísque, pensou Carlos, que merda! Uísque é diferente, quem não bebe socialmente nessa vida?

Não queria saber de mais nada, pensava só em Marlene, suas pernas, sua face suave e morena, dentes brancos, pegou o telefone e ligou para Marlene.

Falou sozinho depois de discar, era um hábito seu quando bebia.

-Máximo que pode acontecer é levar um fora – tanta solidão, tanta vontade de ter uma vida, um amor.

Ele sabia o que estava fazendo era errado, uma safadeza, mas o que podia fazer? Homens e mulheres se atraem e ela parecia atraída por ele, sem duvida, só não estava admitindo e aquele taxista? Não era para ela.

-Que é?– perguntou a voz melodiosa de Marlene.

-Sou eu Carlos - disse o neurologista.

-Que Carlos? - perguntou Marlene.

-Neurologista... - ele só escutou a batida forte do telefone, um sinal inquestionável de derrota.

Começou a chorar pela loucura.

-Quem falou que a merda do dinheiro leva a felicidade? Ou a bosta da felicidade existe para todo mundo, o que é pior: felicidade existe?– disse ao ligar o carro, como se existisse alguém para escutar aquelas palavras.

Ficou com ideia fixa, queria ligar para Marlene, chegou em casa e colocou um pouco de uísque no copo e espremeu um limão, não conseguia dormir, foi até um armário e abriu, havia alguns remédios, ele conhecia suas ações, precisava de um para dormir que desse aminésia, não queria lembrar do dia ridículo que levou um fora de uma costureira que vive com motorista de taxi.

-Midazolam – bêbado tomou dois comprimidos.

Quando a filha chegou ele estava morto, os comprimidos no chão, o fedor insuportável de uísque e vômito.

Valeria sentou no sofá e colocou a mão no rosto.

-Pai porque você não pediu ajuda?

FIM
POR JJ DE SOUZA
MUSICA DE FUNDO:. márcio greyck - aparências.mp3

JJ DE SOUZA
Enviado por JJ DE SOUZA em 12/07/2013
Reeditado em 09/09/2013
Código do texto: T4384111
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