Meu amigo Jesus vai passar aqui em casa e eu não estarei!

Não só meu, mas de todos que tiveram a oportunidade de conhecê-lo.

Jesus caminhava cambaleante pela ladeira que o levava ao beco que morava.

Parou por várias vezes, estava cansado. Aproveitou e sentou, apalpou os bolsos a procura do cigarro e do fósforo.Nada achou.Lembrou-se que tinha alguns poucos trocados que estavam no bolso de trás da calça, mas havia desaparecido como também a velha carteira com o escudo do Flamengo, seu time de coração,

“ Puxa vida” levaram também as fotos das crianças”. A luz do poste iluminou suas roupas,a camisa estava manchada de sangue.Sentia ainda aquela sensação de desmaio e náusea.Havia vomitado sangue e o gosto na boca ainda não saíra .

Estava com 58 anos, e nunca, havia pisado dentro de uma Delegacia,

Magro, alto, cabelos mais brancos que pretos, carapinhos.

Suspeito de ter roubado um turista americano frente ao local que trabalhava. Estavam com ele mais cinco trabalhadores brancos, o preso foi ele.

Jurou inocência e não adiantou.

-Cala boca negão, foi tu que roubou seu macaco!E me respeita porque eu sou “Otoridade”.

Gritava o delegado empurrando Jesus pra dentro do camburão.

Caminhava devagar, cambaleante, seu corpo doía. A noite inteira ficou no pau-de-arara para confessar o que não fez.Isto depois da “conversa”com o policial especialista em “depoimentos espontâneos”. Seu corpo tinha vergões e as solas dos pés ardiam em cada passo.(“Confessa seu negro sujo”)Anda seu nojento!

As vozes ainda lhe soavam nos ouvidos, a de quem lhe batia e a do outro que incentivava.

Parou, as pernas já não mais obedeciam. Caiu .Via a figura do brutamontes a lhe bater no ouvido e o sorriso diabólico nos lábios parecendo que a tortura lhe dava prazer.

Queria descansar só um pouquinho. Não conseguia fechar os olhos. Seu olho esquerdo estava inchado e com uma posta de sangue coagulado, escorrido do corte no supercílio.

Quando do “inferno saiu” pensou em contar para alguém, mas as “otoridades” lhe disseram se o fizesse a próxima seria muito pior.

-Tas liberado! A vítima não te reconheceu. Te manda!

Algumas pessoas passaram por Jesus, apressadas, indiferentes.

Se sentiu um lixo, queria estar morto.

Mas naquela hora lembrou-se de que era sexta-feira santa, lembrou-se que ELE, inocente foi massacrado injustamente.E não era negro(?).

-Me acode meu Jesus!

Ergueu-se com esforço, continuou mancando, pensando...

ELE também disse que viria para julgar os vivos e os mortos!

Será que vem nesta Páscoa? Seria a minha paz!

Eu o socorri.Jesus foi conduzido ao hospital e se restabeleceu.

Estarei trabalhando nesta Páscoa.

Deixei com muito carinho um pacote de “Bis”(Ele adora)

para meu amigo Jesus.Com certeza ele passará por aqui, como faz todos os anos.

.

Que ELE ajude,a mim, a você e a Jesus!