MEU NOIVO É UM MALA

— Nossa, cara, você tá um lixo!

— Muito obrigado! Você também não é a metade do que diz o seu anúncio.

— Aí, foi mal, me desculpe. Mas é sério, você está com uma aparência horrível. O que houve?

— Sei lá, dizem que a vida dá muitas voltas; bom, vai ver que é mesmo verdade. Ainda ontem eu estava saboreando um delicioso jantar ao lado da minha linda noiva no apartamento dela e hoje, estou num boteco fedorento bebendo com uma garota de programa cujo anúncio de jornal não menciona que ela usa aparelho nos dentes.

Num gesto solidário próprio dos beberrões, a moça voltou a encher o copo do homem com cerveja e observou:

— Sinto muito por sua noiva ter te traído. Semana passada peguei meu namorado na cama com minha melhor amiga.

— Você está certa, foi pura traição.

***

— Obrigada por ter vindo, meu amor — agradeceu Elizabeth entusiasmada — esta noite vamos ter um jantarzinho especial.

— Hum, vai preparar um jantar especial para mim?

— Sinto muito te desapontar, querido, mas o jantar é para comemorar o retorno de meu amigo Igor. Ele acaba de voltar da Rússia.

— Por que nunca me falou nesse tal de Igor?

— Igor é bailarino, já viajou o mundo inteiro com a sua companhia de dança. Faz tanto tempo que não nos vemos que acho que é por isso que nunca falei dele pra você, Hélio. Assim que soube que ele retornou ao Brasil, eu liguei para o endereço onde ele costuma ficar quando está na cidade e o convidei para jantar e relembrarmos o passado.

— Quer dizer que vocês têm um passado juntos?

— Sim, uma gostosa e bela amizade, seu bobo. — Respondeu Elizabeth sorridente — Olha, a campainha tá tocando, é ele.

Enquanto o recém-chegado abraçava e trocava selinhos com sua noiva, Hélio observava e comparava. O rapaz era alto e esguio, com os cabelos louros, enquanto que ele próprio era baixo, e seus cabelos já estavam ficando grisalhos.

— Igor, este é Hélio, meu noivo.

— Oh! Muito prazer.

— Igualmente.

Hélio, segundo as crenças que alimentava, notara que o sujeito tinha voz doce e gestos muito delicados para um homem.

— Querido — pediu Elizabeth — faça companhia ao Igor enquanto preparo uns drinques e dou uma olhadinha no nosso assado.

— E então, como se conheceram? — perguntou o bailarino.

— Foi num shopping, a Elizabeth tropeçou na minha vara.

— Como é?

— Ela saía da loja de roupas carregada de pacotes, quando de repente tropeçou na vara de pescar que eu havia acabado de comprar. Mas e vocês — agora foi a vez de Hélio indagar — são amigos há muito tempo?

— Desde os tempos da faculdade, quando cursávamos artes cênicas juntos.

— Vocês já fizeram sexo?

— Acho que devia ter feito essa pergunta para a sua noiva, contudo, respondendo, não. Elizabeth e eu, fomos e somos apenas grandes amigos.

— Ah! Eu sabia, você é gay. Ei, não me leve a mal, mas esses seus trejeitos e a sua profissão dizem tudo. No entanto, pode ficar tranquilo, sou bastante discreto.

— Realmente estou comprovando a sua discrição. Escute, eu não sou gay, todavia, se fosse não haveria o porquê de me envergonhar. Quanto ao fato de eu ser bailarino...

— Rapazes — felizmente Elizabeth retornou antes que os ânimos se exaltassem de vez — aqui estão os drinques. Vamos brindar ao seu sucesso, Igor.

Hélio sorveu o vinho de um único gole e foi para a cozinha. Quando voltou à sala, notou que folhavam um álbum de fotografias trazido pelo bailarino. Ao visualizar uma foto, o noivo de Elizabeth inquiriu, entre curioso e admirado:

— Uau! Quem é essa belíssima deusa que posa abraçada com você, Igor? Não parece uma bailarina, pois não é uma magricela ossuda.

— Essa é a Sasha, minha namorada; ela é russa — esclareceu o rapaz esboçando um sorriso de triunfo.

— Quê! Não pode ser. Isto é uma farsa ou brincadeira de mau gosto. Como uma mulher gostosa dessas, verdadeira deusa, pode ser namorada de um bailarino bicha?

— Basta, Hélio! — interferiu Elizabeth indignada — Estou farta da sua estupidez e grosserias. Ouvi toda a conversa anterior de vocês dois. Agora por favor, saia do meu apartamento.

— Mas querida...

— Saia!

— Tudo bem, aproveitem o balé.

***

— E o jantar? — Questionou a garota de programa.

— Eu menti, nem cheguei a provar. E então, o que achou da história?

— Cara, sua noiva tá coberta de razão. Você é um chato, idiota, pretensioso e preconceituoso.

— Jura, já que sou tão detestável assim, também não vou te pagar nada pelo programa igualmente detestável. Desse modo ficamos quites. O que acha disso?

A moça retirou com destreza um pequeno revólver da bolsa e ordenou:

— Passe a grana e vê se não banca o esperto comigo.

— Não acredito! A vagabunda quer me assaltar. Pois bem, por que não atira logo, sua rameira?

Todos no bar ouviram o disparo.

Horas depois, deitado em uma maca hospitalar, Hélio teve por um instante sua atenção despertada para a conversa entre os dois enfermeiros e o médico plantonista:

— O negócio é o seguinte, doutor — falou o enfermeiro robusto — parece que o imbecil aí arrumou confusão com uma prostituta e ela atirou no pé dele.