DESCONFIANÇA

Mulher chega com sacolas de compras. Vai colocando-as sobre a mesa. Entra um jovem, conduzindo sua própria cadeira de rodas.
 
— Daniel. Que susto! Tudo bem, filho?
— Tudo bem. Tudo bem. Acha que alguma coisa pode estar bem? Droga de vida. Trouxe o dinheiro? 
— Toma.
— Só isto? Já disse pra não ficar gastando.
— É comida.
— Não deve gastar antes de eu ver.
— Filho, por que tanta agressividade? Somos somente nós dois. Poderíamos viver em paz, sermos felizes.
— Felizes? Como posso? Acha que um aleijado pode ser feliz? Olha pra mim. Tenho como viver bem, ser normal, sorrir?
— Se ficar se queixando assim, Deus pode te castigar.
— Deus? Que Deus? O que é isto?
— Por que me culpas assim? Não vês que também sofro? É preciso que mudes, que aceites o que não pode ser modificado. Tenta mudar teus sentimentos. O importante é estar vivo, com saúde.
— Se tivesses prestado mais atenção, o caminhão não teria feito isto.
A campainha soa.
— Atende. O que estás esperando? Vai deixar que arrombe a porta?
— Bom dia. Por favor, entre. Este é Daniel.
— Muito prazer.
— Pelo menos estende a mão. Juarez veio resolver o problema da pia. Olha. Não consegui retirar as panelas. Faço isto agora. É só um minuto. Se quiser faço um café. Tive aula. Aluno particular. Ajuda no orçamento. Sabe como é.
— Pode deixar. Eu mesmo retiro. Já tomei café. Obrigado.
— Então, vou arrumando as compras. Desculpa a bagunça. Me ajuda, filho. Vamos dar um jeito nisto aqui.
— O que há? Por que a agitação? Está me escondendo alguma coisa. Quem é o sujeito?
— É meu amigo. Veio dar uma força. Sabes que não temos dinheiro para chamar um profissional. Falei do problema. Ele se prontificou...
— Na certeza de levar você pra cama como pagamento.
— Toma.
— Você nunca me bateu. Basta entrar um macho em casa pra isto acontecer. Odeio você. Odeio.
— Daniel...
— Deixa que se vá. Está nervoso. E tem ciúme da mãe. É natural.
— Não sei mais o que fazer com ele. A situação ficou difícil.
— Sei que é cedo para falar isto, que faz pouco que nos conhecemos, mas, se confiar em mim, posso ajudar. Este rapaz precisa de atenção, carinho. Se quiseres me dar uma chance.
— Não sei.
— Podemos tentar. Acho que precisas de alguém que te ajude a lidar com ele. É um encargo pesado para ti. Posso?
— Pode.
— Então mãos à obra. Posso começar arrumando isto aqui.






 
MADAGLOR DE OLIVEIRA
Enviado por MADAGLOR DE OLIVEIRA em 26/07/2013
Reeditado em 28/07/2013
Código do texto: T4405079
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