O Palhaço
Esperavam por ele lá fora. Eram centenas de olhares atentos, famintos por um sorriso. Olhos que brilhavam, que ansiavam pelo espetáculo. O espetáculo de quem vinha lhes arrancar gargalhadas, a saltitar e gesticular pelo palco. Mas eis que ali dentro estava outro - que não era o palhaço.
Sentia-se um pássaro por trás do pano. O pássaro que não sabe voar mas que, paradoxalmente, faz com que os outros, ao olharem-no, tenham a sensação da liberdade. Esta era - e sempre seria - sua grande missão. Transparecer o que não existia, o que não era, contanto que pensassem conhecê-lo realmente. E assim seguiria.
Amarrou seus grandes sapatos, bagunçou os cabelos. Vestiu o chapéu. Ajustou os últimos botões, enquanto folgava o colarinho. Suspirou, enfrentando o espelho.
“Faça com que todos sorriam, meu caro” - disse para si.
Com as mãos impacientes sobre a penteadeira, palpitou os dedos por um instante - olhou as mãos. Estas vestiam luvas brancas - extremamente brancas - que, por um momento, pareceram incomodá-lo. Levou o queixo ao peito, e molhou o colo com pequenas gotas pesadas. Sentiu-se denso por dentro. E por que precisariam saber? Não teriam motivos. Todos esperam apenas uma coisa de um palhaço: a graça. Ninguém naquele lugar iluminado lá fora estava preocupado com o que havia por trás de toda aquela euforia - de todos os sábados. Pagaram-no para que tivesse graça.
No altruísmo de sempre, largou o que sentia por dentro em seu camarim, e entrou outro no picadeiro. Logo os holofotes estavam a iluminá-lo, no centro do circo. Todos aplaudiam. Ele levava aos outros aquilo que nem ele mesmo possuía.
Com a alegria mascarada no rosto pintado, soltava suas anedotas. E mesmo sendo um eterno mascarado, ainda sim conseguia com que a felicidade falsa que lhe saía da voz causasse alegria verdadeira a quem lhe assistia. Essa era a mágica: transformar a irrealidade interna em algo real a quem observava do externo. Ele sim era o grande ilusionista do circo.
E de tanto distribuir sorrisos, o palhaço não guardou nenhum para si.