Ciúme - A Morte de Tereza
 
 
Tereza era uma mulher diferente, beirando o complicado.
Desde cedo aprendeu que a vida não era moleza e que não havia muito tempo e nem muita paciência para gente fraca.
Pequenininha, foi largada, solta, a aprender com os próprios olhos e machucados o que significava a diferença de idade, religião, cor, sexo e obviamente dinheiro.
Entendeu do jeito que deu, porque não tinha ninguém para fazer perguntas.
Também compreendeu, na base do safanão, que mentira levava qualquer cristão para o inferno. E uma vez lá, o pobre coitado queimava eternamente nas labaredas do diabo que engolia milhares de almas todos os dias.
Na casa dos pais, enquanto crescia, ouvia todos os dias que gente não foi feita para inspirar confiança, melhor era bicho, de estimação de preferência. Estes sim, eram fiéis.
Já adulta, se tornou intolerante. Uma mulher fria, desconfiada, aplicando as regras do jogo que aprendera na infância a qualquer criatura que dela se aproximasse.
Não suportava mentira. Bastava cheirar dissimulação e já lembrava do fogo crepitante do inferno e então, corria. Corria da família que mentia, corria dos amores que omitiam qualquer informação, corria de amigos que justificavam mentirinhas sem importância.
E assim a vida seguia. E assim Tereza ficava cada vez mais sozinha.
Um dia conheceu Josué. Homem de fibra, forte, decidido. Gostou dele de cara. Temente a Deus e praticante irrepreensível da doutrina apostólica romana, Josué era não só exemplo de homem como também de cristão, pai e cidadão.
Um luxo o tal Josué!
Tereza nem acreditava na sorte. Timidamente, começou a sorrir. Para Josué. Um repuxo no rosto carregado que nunca mostrava os dentes. Josué também se encantou pela moça tão correta e cheia de valores.
O namoro veio com facilidade e muito respeito, porque Tereza não era destas de permitir liberdades antes do casamento.
Josué aprovou tanta austeridade e finalmente apresentou a noiva para o único filho que já cursava medicina na capital.
Tereza virou a queridinha da família. Eram só elogios para moça tão pura, tão cheia de princípios.
E assim o casório aconteceu como tinha que ser. Vestido branco, véu, grinalda e flores de laranjeira. Tereza quis o pacote completo de noiva que usava branco com propriedade. Virgem, queria se dar para Josué conforme mandava a lei de Deus e não a da carne.
A lua de mel foi em um hotelzinho em uma praia tranquila. Tereza de saia e camisa, apenas andou na areia. Josué aproveitou o domingo e foi na igreja.
Tereza enfim respirava. Tinha encontrado um homem sem igual. Confiava nele com unhas e dentes e declamava para quem quisesse ouvir, as qualidades do marido.
A casinha bem arranjada virou o ninho. Sem filhos, o casal apaixonado dividia o tempo entre o trabalho, as longas caminhadas no parque, a igreja e as intermináveis juras de amor durante a novela.
Tereza era outra mulher. Agora já sorria, brincava, fazia tranças no cabelo recém-crescido e espichado a base de alisamento.
Josué era só alegria. Inflava o peito sobre a barriga proeminente e se dizia o mais realizado dos homens.
Estava tão feliz com a vida que precisava agradecer a Deus por tantos presentes e cego de empolgação, quis encomendar uma missa.
O padre, rejeitou, obviamente. Missa para quê? Para que serviço? Josué não tinha. Não tinha ninguém morto para o 7º dia, nenhuma ação de graças, batizado ou crisma. A sugestão, a contragosto, seria novena. Não valia, mas era o que se podia.
E assim Josué partiu para o convite da novena de agradecimento.
As beatas estranharam, já que nunca antes naquela terra haviam rezado novena para agradecer, só para pedir, mas foram no dia e na hora marcadas assim mesmo.
A casa foi arrumada, quitutes preparados em todos os nove dias.
As mulheres, empenhadas na “reza do seu Josué”, chegavam pontualmente e com ares de devoção, ora se punham a rezar baixinho, ora falavam pelos cantos da iniciativa daquele grande homem.
Tereza se movimentava encantada com os efeitos que o marido causava. Não sabia se estava mais cheia de orgulho ou de alegria. Eram por certo, muito bem quistos por Deus que tanto os premiava. Muito mais que a qualquer outro casal da vizinhança.
No quarto dia de tanta reza fervorosa regada a comida e farta bebida, Dona Irene, mulher séria que puxava a corrente de orações teve uma indisposição. Dulce, uma sobrinha veio socorrê-la não só nas tarefas domésticas como no cargo importante de rezar a novena.
Tereza não gostou. Moça risonha, faladeira, foi logo chegando com seus ares de mulher que conhecia a vida, a perguntar pelo “dono da reza”.
Josué se apresentou sem notar o olhar de desgosto da esposa. Dulce se disse encantada e foi provar do quindim que Tereza servia.
Quando a última Ave Maria foi rezada, Tereza quis se deitar e pediu que todas fossem embora. Dulce quis ajudar na arrumação, mas Tereza de pronto, deixou claro quem mandava na casa.
Na noite seguinte, Dulce veio de vestido. Não um vestido comum, mas um que mostrasse os joelhos! E para quem seria aquela sem-vergonhice toda? Para Josué! Para quem mais?
E aí o problema começou.
Tereza fervia no meio das Salve Rainhas.
À noite, já no meio das cobertas, abriu o verbo para Josué que se disse alheio a qualquer mulher, muito menos a Dulcinha.
Tereza não engoliu o diminutivo e armada com todas as falácias da mente e dos demônios que agora criavam vida, começou a procurar nas coisas de Josué algo que justificasse o sentimento que ela vivia.
Em pouco tempo Tereza mudou. Passou a ser insegura e infeliz. Observava tudo minuciosamente, ficou supersensível e irritadiça. Qualquer gesto do marido era motivo para desconfiança, e ela, sempre alerta e observadora até o desespero, passou a ser também amarga e sarcástica.
Josué não compreendia. Defendia as virtudes de Dulce, sobrinha de Dona Irene e que jamais tinha dado motivos para tanto ciúme. Josué cometia um crime sem saber. Mulher nenhuma no mundo deve ser defendida para esposa, ainda mais a razão de tanto ciúme descabido. Josué, neste dia, recebeu sua sentença.
Tereza só pensava em vingança. Pensava em se vestir de vermelho e sair na noite à procura de homem. Imaginava-se nos braços de outro para ferir Josué até que ele sentisse na pele a dor de uma traição. Queria pintar a boca, andar nos saltos e mostrar as carnes na rua, para quem quisesse ver, bem debaixo das ventas do marido. Porque era aquilo que aquele cachorro merecia!
Com ares superiores para esconder a inferioridade que sentia, só se imaginava a matar a Dulce, aquela vadia. E de quebra, mataria também a outra vadia que se formava nela com desculpas que se fazia apenas para se vingar. Por ver as virtudes enlameadas, odiava ainda mais a tal de “Dulcinha”.
Josué desesperado, tentava tirar da cachola da mulher aquelas ideias sem sentido, mas no ciúme meu amigo, não importa o que verdadeiramente se deu, mas sim o que se acredita que ocorreu.
Tereza enlouquecia.
Josué rogava aos céus, pedia a Deus que mostrasse uma luz. Redobrou as visitas à igreja e pedia a todos os Santos que lhe dessem salvação.
O padre, ciente da tristeza do pobre homem, agora sim sugeria novena, desta vez, com força de petição.
Era rezar, pedir e aguardar.
E Josué, cheio de novos ânimos tratou de convocar toda a vizinhança para pedir em nome de Terezinha que já não se conhecia.
Em pouco tempo a casa ficou cheia. Era chá de tudo quanto é tipo, comida e até cachaça que ninguém é de ferro.
Na cama, Tereza se contorcia. Sabia que não era mais mulher para Josué, e ele, aproveitando de sua condição, convidava a mulherada às claras. Um descarado! Um sem-vergonha dissimulado! Mas ele não perderia por esperar, o cafajeste. O diabo engolia muitas almas todos os dias, principalmente de quem mentia!
Deu-se início à novena. Tereza, descabelada, ficou trancada no quarto.
Mas a vida tem coisas que não têm explicação. Entre um delírio e outro, Tereza se acalmou no meio de uma Ave Maria. Ouviu a oração que pedia rogo pelos pecadores e se compadeceu.
Josué sempre fôra um bom homem, de fibra, forte, merecia uma chance como qualquer outro pecador.
E assim, munida de esperança e da alegria que invadia o coração cansado, largou a cama e os dias que passara nos braços do diabo. Que pensamentos daqueles, ora minha gente, não eram obra divina.
Tratou de ajeitar a carapinha, arrumou a saia amassada e respirou cheia de força para a nova vida.
Com passos seguros abriu a porta do quarto, sorriu quando viu tanta gente. Quanta amizade, pensou cheia de agradecimento.
Estacou antes de chegar no meio da sala.
Josué abria os braços em um sorriso, ao lado dele, Dulce não acreditava no que os seus olhos viam.



 
Edeni Mendes da Rocha
Enviado por Edeni Mendes da Rocha em 15/08/2013
Código do texto: T4435979
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