Só um velho

Ah, meu Deus, como é ruim estar velho!

Infelizmente todo dia é assim. A gente acorda com aquela dor lombar, a cabeça girando e uma vontade absurda de mijar rapidamente, o que, na maioria das vezes, não é possível. E sem contar que levamos cerca de minutos para conseguir, finalmente, ficar de pé. Depois é só correr para o banheiro. As pernas estão travadas, parecem pedir óleo há mais de uma era completa e outra pela metade. Quando a gente consegue abrir a tampa da privada, já está quase escorrendo, e talvez esse seja o melhor momento do dia. Bom, não vou ficar aqui dando longas explicações, mas quem é homem sabe como é. Principalmente aqueles que já têm mais calendários nas costas do que os outros.

Infelizmente ou felizmente, como queiram, a vida é assim. Vivemos um ciclo que não pode ser alterado. Eu, por exemplo, já fiz de tudo. Já namorei, bebi, trabalhei como um camelo, mas também já gozei bastante. Chega uma hora que tudo acaba, e você dá lugar para os seus filhos e depois para os netos. E acreditem, quando seu primeiro neto estiver fazendo tudo o que você já fez alguma vez na vida, é sinal de que você já está velho. Indubitavelmente velho.

Eles já não vivem mais comigo, os meus filhos e netos. Também não sou um daqueles idosos amargurados que adoram ficar remoendo a ‘’falta’’ da família. Os criei para isso mesmo. Independência. Não é o que eles pedem?

Essa casinha já não é mais a mesma, admito. Perdeu a cor principalmente depois que minha velha morreu. Isso foi há quatro invernos passados. Ela já não andava bem das pernas. Sua morte não foi uma surpresa. Ah, se eu fosse falar tudo o que aquela mulher significou e ainda significa pra mim... Olha só o que é a velhice, estou aqui todo derretido. A gente tem essa coisa emotiva mesmo. É do velho. E espero que vocês acreditem se eu disser que meus olhos estão marejados. Pelo menos as lágrimas não são como a urina. Elas saem facilmente.

Depois que eu consigo fazer tudo o que tinha pra fazer no banheiro, e é melhor não entrar em detalhes, meu próximo passo é empurrar alguma coisa pra dentro do estômago. Mesmo que depois seja complicado empurrar pra fora. Os velhos já não tem mais aquele apetite de antigamente, quando a gente comia um boi sem empanturrar. Hoje em dia me contento com uma xícara de café, que eu mesmo faço. E se tiver, um pãozinho francês sem o miolo. Quando tenho vontade, passo um pouco de requeijão.

Mas nem é todo dia que eu consigo encontrar pães. É claro, eu moro sozinho e meus vizinhos parecem não perceber que eu existo. Agora eu não sei dizer se é preconceito com os velhinhos ou se eu sou antissocial. Acredito que não. Admito que sou ranzinza, mas deve-se levar em conta a minha idade. E quando eu abro o armário e não encontro nenhum mísero pão dormido, minha reação é sempre a mesma. Eu resmungo:

- Caralho!

Então só me resta fazer uma coisa que eu odeio. Sair de casa. Tudo bem que a padaria fica ali, umas duas ruas abaixo, mas quando se é velho, isso significa muita coisa.

Como sou vaidoso, pego minha boina verde abacate e minha bengala com detalhes em dourado. Eu não fumo, aliás, nunca fumei, mas sempre tenho um charuto de emergência. Boina na cabeça, charuto na boca, e bengala em mãos, estou pronto para buscar apenas um pão.

A peste é que no meio do meu caminho, mora um grupo de irmãos daqueles todos barrigudinhos e imundos que adoram importunar os velhos. Eu tento passar silenciosamente, mas quando se é criança, perturbar a sanidade dos pobres idosos é uma diversão sem precedentes. A casinha deles é toda desbotada, e eu sempre tento decifrar qual a cor dela quando a tinta ainda respirava. Nunca consegui me conformar com esse tipo de gente. Quanto mais pobres e ignorantes, mais filhos eles têm. É aquela história de não ter televisão. A molecada adora me perguntar isso quando me veem, mas é sério, eu não sei do que estão falando. Eu nunca tive televisão, e só tenho três filhos.

E foi dito e feito. Os garotos vieram correndo para o meu lado e se não tivesse um muro ali para escorar, eu já teria babado no chão. Era uma algazarra só. Era demais pra minha cabeça. Eles falavam todos ao mesmo tempo, e os mais diversos assuntos que não me diziam respeito. Quando percebi, já não tinha mais moedas e nem bengala. A única coisa que eles deixaram foi a boina, talvez porque fossem todos miudinhos.

É claro que eu reclamei:

- Caralho!

Mas eles já estavam longe. Pelo menos eu não enxergava há mais de vinte metros.

- Sou só um velho. – fiquei surpreso comigo mesmo quando disse isso, afinal eu só sabia resmungar ‘’caralho’’. É claro que eu repeti: - Só um velho, só um velho...

Bem, o resto do que aconteceu não interessa muito. Fiquei escorado na parede até passar uma alma boa e me dar uma carona. Afinal de contas, eis um lado bom de ser um velho. Você não precisa pedir muitos favores, as pessoas fazem por vontade própria. Principalmente as moças.

Sabe, to pensando em contratar um brotinho pra trabalhar lá em casa.

He, He, aí sim!

Ah, meu Deus, como é bom estar velho!

Fernandes Carvalho
Enviado por Fernandes Carvalho em 27/08/2013
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