ENTARDECER

                        -Atrasado novamente!– falou André enquanto olhava para o despertador.
                        Agora tinha que se virar sozinho, a mãe havia morrido alguns meses atrás, ela que o acordava se o despertador falhasse.
                        André trabalhava no setor administrativo do hospital universitário. Homem prático comprou um apartamento pequeno bem próximo ao trabalho e mantinha a mesma rotina há alguns meses.
                        Ainda estava apaixonado pela namorada, com quem namorou até o ultimo outono. Iludido por longos cinco anos pensou que ela fosse sua alma gêmea, porém o casamento nunca aconteceu.
 Mônica não queria casar, suas ações demonstravam, por exemplo:  quando André fazia o pedido solene ela dizia que era cedo demais. Até que ela terminou tudo em uma tarde chuvosa. Simplesmente disse.
                        -André eu te amo, porém vivemos esses anos todos e você não saiu do zero na vida, piorou quando foi trabalhar nesse emprego publico, pelo menos quando era vendedor de carros ganhava um salario melhor, agora trabalha naquele hospital como menino de recados de médicos e enfermeiros. Acho que nosso tempo juntos acabou, então – ela fez uma pausa e depois completou -  segue a sua vida que sigo a minha. Está doendo muito, pois sei que é uma boa pessoa e que realmente gosta de mim, mas uma vida a dois não é feita só de rosas e amores – disse sem anestesia, deu um beijo no rosto de André e virou as costas. André nunca mais viu Mônica.
                        Ficou com coração partido. Para pessoas românticas é melhor um amor perdido que um amor falso, na teoria na prática André desejou nunca ter conhecido Monica.
                        Em vários momentos segurou a foto dela e chorou, tentou ligar, contrariando o orgulho, foi até à casa dela, nunca foi recebido, um belo dia ele entendeu que era realmente o fim.
                        Contava 42 anos idade, duas faculdades interrompidas, uma de biologia, a qual achou que não tinha compatibilidade e outra de filosofia que teve que abandonar com a morte da mãe.
Considerado de boa aparência, magro, cabelos crespos, bem cortados, olhos castanhos claros, rosto maciço, queixo proeminente, porém com um ar de suavidade dado por sua herança atribuída a mãe: lábios macios e quase femininos. Vestia-se de forma conservadora, todo social, em tons sóbrios.
                        Pontual na maioria dos dias, exceto no dia corrente, levantava às cinco da manhã, fazia o café e passava sua roupa do trabalho, escovava os dentes por longos cinco minutos, arrumava a pequena marmita, pois a comida ficava pronta no dia anterior.
                        Pronto para o trabalho, fechava a casa e descia duzentos metros até a esquina, fazia o percurso a pé, virava a direita e estava na entrada do hospital universitário.
                        Ele chegava e davam um bom dia a todos: paciente e funcionários. Seu setor era na ginecologia, onde recolhia os prontuários e digitava durante toda a manhã, à tarde controlava a recepção da maternidade, pontualmente às dez horas ia à varanda do segundo andar, na área especifica para fumantes e fumava o seu cigarro, pecado que repetia três vezes no dia: pela manhã, as dez e no final da tarde.
                        Segunda feira é um dia que o hospital fica lotado, o trabalho dobra e os médicos estão impacientes, neste dia em especial André estava exausto, na hora do intervalo dirigiu-se à varanda para fumar o seu cigarro habitual.
                        -Pode me dar um cigarro?– disse uma moça que estava nas sombras pareceu surgir do nada. Foi surpreendente, antes não havia percebido que havia alguém ali, esperava que a varanda estivesse vazia. Uma mulher, uma das pacientes ficou fora do seu campo de visão. Sentiu-se flagrado em ato de rebeldia, quase perdeu o equilíbrio.
                        O homem quando se impressiona com uma mulher projeta nela o seu ideal feminino, foi assim para André Sandoval. A mulher a sua frente era bonita, pequena, de cabelos negros, olhos vivos e um sorriso avassalador. Vestido colorido que ia até a metade da coxa, a curva do seio mostrava pouco, os braços terminavam em mãos de dedos longos e unhas bem feitas. Assuntado e mudo por instantes. Respondeu afobado, quando falou as palavras soaram estupidas e desequilibradas.
                        -Não posso dar um cigarro para uma paciente – disse e completou – é contra as regras.
                        -Aqui é a varanda, não há regras aqui. Não é um lugar próprio para fumar? Direitos iguais, paciente e funcionários–ela  disse sorrindo e pegou o cigarro da mão de André que não ofereceu resistência – fico feliz com este.
                        Ele acendeu outro e esperou que ela falasse primeiro.
                        -Você trabalha aqui não é? - disse a moça puxando assunto.
                        -Sou funcionário do setor administrativo – disse André mostrando o crachá.
                        -Graças a Deus não é médico – ela falou sorrindo e com o ar debochado e completou depois de soltar a fumaça–apesar de você se vestir igual à maioria deles, todo engomadinho. - olhou de cima em baixo para André - não suporto esses médicos, eles  parecem gigantes andando por ai com cara de sabe tudo, meu ex-marido é médico, sei como são insuportáveis, conheço a realidade bem de perto.
                        André sorriu, pois compartilhava a mesma opinião.
                        -Seu nome ?– ela perguntou.
                        -André.
                        -Eu sou Alice em” um país sem maravilhas” – ela tragava o cigarro com uma vontade quase sobrenatural –sabia que meu marido proibia o cigarro? Sabe o que é hilário? Amanhã tenho uma cirurgia, o doutor todo poderoso me falou que é uma cirurgia difícil e que a culpa é da merda do cigarro. O minha família está devastada, não consigo respirar perto deles. Aqui tem uma brisa boa.
                        -Acho que a varanda é o melhor lugar do hospital– disse André, lembrando o quanto gostava do seu intervalo, o quanto ele relaxava.
                        -Que acha da traição? - disse mudando de assunto, no entender de André ela gostava de mudar de assunto, assim prestou atenção quando continuou - meu marido teve um caso com uma médica por quinze anos, nem eu nem o marido dela sabíamos, descobri por acaso, antes um pouquinho de descobrir a doença, antes de completar vinte anos de casada. Muita burrice, sabe que casei com o canalha quando tinha apenas vinte e um e fiz quarenta no mês de março, então o que acha de uma traição por longos quinze anos? – ela não olhava para André, seu olhar estava perdido no passado. Ele só respondeu depois de alguns segundo de silencio, talvez para refletir, talvez por respeito.
                        -Eu acredito no amor, o resto é perda de tempo, um homem que tem duas mulheres, não ama nenhuma das duas plenamente.
                        -Você é só um técnico administrativo? Deveria ser o diretor desse hospital. Sabe, sua resposta deveria virar um quadro – ela fez o gesto com a mão imitando um quadro - você é meio caladão, mas quando fala...Tem alguém? Algum amor, por que você é bonitão?- quando ela disse isso ele ficou encabulado, quase deixou o cigarro cair.
                        -Tive, nem valeu a pena. O meu amor foi embora depois de cinco anos, disse que sou uma pessoas muito simples, queria viver a vida, foi procurar alguém  mais arrojado que eu– disse André após uma tragada.
                        -Gosto da simplicidade, a única coisa grandiosa que tive foi um chifre que durou quinze anos. Olha André, até que meu marido me deu de tudo, viagens, coisas, roupas, carros, o que faltou foi o amor– disse Alice, chegando mais perto de André, os dois ficaram próximos, ele sentiu o perfume e desgraçadamente o seu coração ficou em descompasso e sua face ficou vermelha.
                        -Agente pode se encontrar aqui no final de uma tarde, depois da sua recuperação, para comemorar sua bem sucedida cirurgia?– disse André usando toda a sua força para vencer a timidez.
                        O sorriso dela foi suave e depois falou calmamente com a mão no ombro de André.
                        - Olha só como o mundo é?  O puto do meu marido não me quer mais, aliás, nunca me quis, foi morar com a amante, uma médica velha e feia, porém cheia do dinheiro. Nem veio aqui para ver se vou morrer ou viver, meus filhos de dez e doze anos estão com avó para não passar pelo drama de ver a mãe morta depois de uma cirurgia complexa. O único familiar que me resta é o meu pai fica chorando e rezando. Então, de repente, do nada aparece um estranho, um completo estranho, gentil, que me convida para comemorar a minha recuperação ao por do sol!– ela sorria e depois André notou que lagrimas escorriam do seu rosto.
                        -Falei alguma coisa errada? - disse André.
                        Ela olhou para ele, andou dois passou e deu um beijo na boca de leve no auxiliar administrativo, André tremeu.
                        -Nada, nada, foi bom demais – disse e depois procurou alguma coisa da bolsa, um DVD e entregou a André – quero que veja sozinho, são momentos da minha vida, era um presente para alguém que não merece mais, vou enfrentar uma cirurgia grande, mas certamente que gostaria de te encontrar em uma tarde dessas.
                        -Alice quando passar pelo buraco diga ao coelho que estarei aqui, com um país cheio de maravilhas só para você – disse André, ela sorriu.
                        André pegou o DVD e ficou olhando aquela mulher fantástica cruzar a porta da varanda em direção ao seu quarto.

                         Quando o expediente acabou André foi para casa, curioso colocou o DVD e assistiu com lagrimas nos olhos, tantas passagem nos ultimo quinze anos de uma família que parecia feliz, tantos sorrisos, ao mesmo tempo tanta falsidade do marido, como um homem pode trair uma mulher tão lida e que parecia estar tão apaixonada. Que tipo de heresia humana era aquela?
                        Certamente ele pediria a Deus para que ela estivesse no final de uma tarde com ele na varanda saudável com aquele sorriso envolvente.

FIM
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UMA HISTORIA ROMÂNTICA, VERDADEIRA E COM UMA MUSICA DE FUNDO


 
JJ DE SOUZA
Enviado por JJ DE SOUZA em 22/09/2013
Reeditado em 22/09/2013
Código do texto: T4492617
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