As mãos de meu pai.

Recordo-me agora de uma cena que vivi na infância.

Eu, levada da breca, vivia a correr, pular, adorava correr riscos, andar pelo meio-fio da calçada equilibrando-me, imaginando-me andar sobre uma pinguela à beira de um precipício. Do alto dos meus 8 anos, já havia dado muita dor de cabeça aos meus pais.

Conhecendo-me tão bem, sabendo o quão tentada eu era, meu pai fazia questão de, ao andar comigo na rua, levar-me sempre agarrada pelos pulsos. Note-se que disse pelos pulsos, não pelas mãos. Se segurasse-me pelas mãos, fácil eu fugiria, escorregaria por entre seus dedos. levava-me presa, com medo que num ataque de imaturidade, corresse e fosse pega por algum carro ou moto.

Eu odiava aquela situação. Fazia birra, esbravejava. Quando via que não dava resultado, até prometia não correr. Mas ele era inabalável, permanecia me segurando forte. Eu queria correr, pular, livre, leve e solta. Não gostava de me sentir presa, mesmo que fossem as mãos do meu pai.

Pois bem, em determinada feita, íamos passeando pelas ruas da nossa pequena cidade. Eu, cabelos soltos ao vento, lindos cachos dourados, conversava como uma vitrola velha. Sempre questionando. Meu pai, pacientemente, explicando-me tudo o que eu via, mantendo-me firmemente segura entre sua mão. Ele vestia-se simplesmente, a roupa do trabalho ainda suja de pó e cimento, era pedreiro. Eu estava calçada numa bela sandaliazinha branca, que ele mesmo havia me dado, onde havia pintada a face do Pica-Pau, personagem de desenho animado.

Saltitava, precisava quase correr para acompanhar os passos rápidos do meu pai. Em um dos passos, tropecei nos próprios pés e fui lançada à frente. Teria me esborrachado, não fosse as mãos do meu pai. Segurando-me fortemente, puxou-me os pulsos para trás, erguendo-me, evitando que quebrasse a cara.

Olhei instintivamente para ele, que nesse momento reclamava por eu andar sempre desapercebida, que poderia ter me machucado. Olhei para a sua mão, cerrada em meu pulso, segurando-me. Então compreendi o porquê de ele me segurar.

Até hoje, as mãos do meu pai me ensinam coisas que nunca imaginei. Vejo em seus olhos hoje o orgulho por ter em mim agora, uma mulher. Se pudesse, ele ainda colocaria-me em seu colo, e andaria comigo presa em sua mão, apenas para que eu não me machucasse. Sei que quando ele me olha, ainda vê a menininha levada e sapeca, que o indagava a cerca de milhões de coisas.

Nunca mais, em minha vida, encontrarei uma mão tão forte quanto as do meu pai. Que me ensinaram a perceber a diferença entre estar presa e estar segura.

Milene Gomes
Enviado por Milene Gomes em 25/09/2013
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