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                   EFEITOS COLATERAIS

 

 

         Marcos herdou o negócio do pai, uma pequena farmácia de bairro. Era ele que atendia os clientes antigos e importantes, por isso atendeu o seu Benedito Neves, cliente habitual que tratava Marcos como um filho. Marcos estranhou, pois o velho mancava e tinha um olho roxo. Colocou os remédios em uma sacola.

         -Meu neto me bate, não quero chatear você com isso, gravei tudo aqui, não sei em quem confiar, o tenho como um filho. – Disse Seu Benedito, pegou as mãos de Marcos, de forma ríspida, rápida e entregou um celular para Marcos. Surpreso, guardou o celular no bolso e viu as cenas em casa, atordoado com a violência.

         Não podia ficar impassível, inerte diante do fato tão grave. Marcos tinha caráter e era um homem sentimental, cuidou do pai de forma íntegra, zeloso, estava indignado com tanta violência, fez o que tinha que fazer chamou a polícia, o bastardo foi preso e uma parenta de longe, dona Gereci uma sobrinha, levou o velho. Marcos ficou sabendo que depois de dois meses o velho morreu de forma misteriosa.

         Conheceu a mulher, namorou e casou em tempo recorde, tudo em seis meses. Vendeu a farmácia e montou um lavador de carros, o negócio prosperou. Por insistência da sogra, Marcos converteu-se ao cristianismo e passou a frequentar uma igreja Batista, seu pai era judeu e, talvez se fosse vivo, não entenderia a mudança de religião, queria manter toda família unida na mesma religião.

         A sua vida estava feliz, apaixonado pela mulher, e próspero no negócio, nos últimos oito meses havia apenas um empecilho, Flávia não engravidava.

A esterilidade dela virou um tormento, de médicos em médicos só escutavam negativas.

         -Sua trompa é curta, é um problema anatômico, só de forma artificial – dizia o melhor especialista da cidade.

         Resolveram que fariam uma inseminação artificial, logo concordaram que era o melhor a fazer, Marcos excitadíssimo concordou de pronto e foram até o pastor para perguntar se era pecado.

         -Claro que não! Deus deu a inteligência aos médicos. - Disse o pastor um homem baixo, de bigode, careca, com um sorriso simpático.

         O ano seguinte foi maravilhoso, e a tentativa científica deu certo. Marcos seria pai em nove meses.

 Flávia correu para dizer para dona Madalena que era um menino e seria chamado Jonas, pois era o nome do seu falecido pai.

         A gravidez e o parto foram um estouro, festa pra lá, choro pra cá, todo mundo emocionado.

         Perto do parto uma tragédia: Marcos sofreu um acidente estranho, um carro perdeu o freio e bateu na sua bicicleta, aconteceu durante o seu exercício matinal.

         A coisa foi feia, porém o dono do carro, um homem de face carcomida, socorreu Marcos, levando ao hospital e pagou a conta, de tão solícito, foi elogiado na imprensa.

 O estrago estava feito: quebrou a bacia e teve que ficar em uma cadeira de rodas. O ortopedista disse que havia uma fratura na coluna, mas que era possível que voltasse a andar.

         Maldita bicicleta, gostava de fazer exercício, aquilo foi um absurdo demoníaco, dona Madalena quis justiça, porém todas as investigações foram concluídas: a verdade é que o freio quebrou. Tudo foi uma fatalidade.

         -O motorista não teve culpa – caso encerrado disse o delegado.

         O filho deles nasceu. Nem mesmo esse acontecimento luminoso melhorou o humor de Marcos, andava de cabeça baixa e resmungando. Odiava tudo e todos, reclamava de andar na cadeira de rodas, tinha ressentimento, o coração envenenado, secretamente culpava a sua conversão ao cristianismo, achava que a sua invalidez era obra da ira divina.

         -Pequeno, é a sua cara. – Disse Madalena embalando a criança e tentando agradar o genro, porém Marcos não quis pegar, tinha uma tremedeira louca na mão ficou com medo de derrubar o pequeno.

         O tempo passou lento, Flávia assumiu os negócios da família e um dia o descarado que atropelou Marcos apareceu no lavador, queria lavar o carro.

         -Sinto muito, o freio falhou, não foi minha culpa. – Disse o homem, olhando bem nos olhos de Flávia com aquela face honrosa.

         -É eu sei – disse Flávia.

         -Como está ele?

         -Levando.

         -Muitos entram em depressão. – Falou maldosamente com um espírito demoníaco, diante de sua face horrível, chateada, tomou uma atitude, mesmo contra as boas maneiras: Flávia pediu que fosse embora e nunca mais voltasse, ele foi.

         Uma mulher cristã, Flávia acreditava na recuperação do marido, mas sabia que pessoas enlouqueciam, algumas depressivas cometiam loucuras, principalmente com os filhos, ficou com a pulga atrás da orelha.

         -Depressão! – Falou sozinha pensando no filho.

         Quando chegou a casa Marcos estava em frente ao cercadinho onde o filho brincava.

         -Ele tem olhos azuis, ninguém na minha família tem olhos azuis. – Disse de forma estranha, como se desconfiasse dela, além disso, tinha os cabelos desalinhados, Flávia assustou-se. Pegou o filho com mãos firmes, não respondeu aos questionamentos do Marido, resolveu ligar para dona Madalena, escondido, com a voz baixa disse.

         -Ele está estranho.

         -Procure um médico, um psiquiatra. – Disse a mãe.

         Antes do natal ele melhorou e estava tomando remédios de forma regular. Ela estava feliz, Marcos tinha conquistado a confiança dela novamente. Flávia tinha que fazer compras, pediu que Marcos ficasse com o filho.

         -Fico com ele, é meu filho, pode confiar. - Disse Marcos, que já arriscava alguns passos fora da cadeira, andava até dando uns sorrisos.

         Era dia vinte e três de dezembro, a atmosfera natalina leva a uma felicidade repentina e ele estava cheio de esperanças. Sua perna acidentada melhorava a cada dia, a vida prosperava, resolveu ir até a cozinha, queria fazer a mamadeira, tinha gosto em fazer coisas para o filho que brincava em um cercadinho no térreo, bem ali perto da sua visão.

         Ao chegar à cozinha teve a surpresa.

         -Lembra-se de mim Sr. Marcos? – Disse o homem de face carcomida.

         -O que está fazendo na minha casa? – Disse Marcos lutando contra o desequilíbrio.

         Marcos suou frio, balbuciou palavras.

         -Sou o neto de seu Benedito.

         -O que quer da minha família? – Conseguiu falar, mas o homem tinha olhos vidrados em êxtase.

-Você não sabe quem foi aquele homem, o que eu tive que aguentar, mesmo assim resolveu se intrometer. O velho foi pior que Hitler, e a Gereci é uma vadia, deve ter dado veneno de rato para o velho para ficar com a pensão.

         -Você maltratava um senhor de idade... – disse Marcos com desespero na voz.

-Sofremos com ele, todos os netos, mas eu fiquei. Sofri muito mais. Fiquei dias sem comer, ele me negava comida, fazendo com que comesse restos, marcas de cigarros no corpo, dor física, mental, ele batia, queimava com ferro quente, humilhações de todos os tipos. Quando o Sr. Marcos me denunciou, sem me escutar, eu perdi tudo, minha bolsa de estudos. A polícia foi eficiente, eu fiquei dois anos preso, humilhado, brutalizado, sofri violência sexual, queimaram a minha face, comi merda, mas uma coisa me mantinha vivo, eu sabia que esse dia chegaria.

         Marcos caiu, sua perna falhou, sua voz havia sumido. O homem de face carcomida pegou a criança no colo, Marcos chorava, implorava, pedia a Deus que não o castigasse. O homem alto de face carcomida brincava com a criança e disse suas últimas palavras.

         -Quando a sua esposa chegar vai pensar que você matou o seu filho e depois se matou. Afinal você não estava muito bem da cabeça.

 

 

JJ DE SOUZA
Enviado por JJ DE SOUZA em 03/10/2013
Reeditado em 04/10/2013
Código do texto: T4509867
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