Digital Prenúncio

 
      Há alguns dias Alceu não se sentia muito bem, os dias para ele se pareciam cinzentos, a angústia invadia o seu coração sem nenhum motivo aparente, bom pai de família, com vários netos para alegrarem o seu dia a dia, porém, uma tristeza o afrontava,seria prenúncio de algo ruim a se anunciar?, esta indagação invadia a sua mente, porém, otimista,Alceu realizava as tarefas corriqueiras de seus dias, com a certeza de que seu estado íntimo tendesse a se normalizar.
    Certa manhã de domingo, estava Alceu deitado na rede de sua casa tirando algumas fotos de seu neto mais novo com o seu aparelho celular, a casa se entorpecia de uma alegria indescritível e para ele era uma experiência inenarrável, uma vez que além da troca de afeto que apaziguava a angustura que naquele período invadira o seu coração, se transformavam esses dias em uma verdadeira terapia, e Alceu realmente se deleitava com a presença dos netos em sua morada, o fazia se sentir mais alegre, mais leve e, sobremaneira, mais ativo. Era noite, do seu netinho Alceu se despedia,com a certeza de que já ansiava por novamente estar em sua companhia,dezenas de fotos para colocar em porta retratos,Alceu na cama agora mais sorridente algumas fotos escolhia,era o seu neto preferido,e as fotos o ajudavam para rememorar toda aquela satisfação que havia tornado repleto todo o seu dia.Com um sorriso largo na face,dedos ágeis a procurar a melhor foto do acervo,de repente,em dado instante,uma foto o deixa atônito e Alceu deixa escapar um temeroso grito:

       Virge Maria, Ela voltou, ela está viva!!

    Foto desfocada, sem qualquer ângulo, talvez, até tirada pelo seu querido netinho, estava ali, mais viva do que nunca, de olhos esbugalhados, cabelos devidamente penteados, a sua sogra Dona Esmengarda que havia falecido há anos atrás, Alceu suou frio, fez o sinal da cruz, retirou os óculos e os voltou a coloca-los, mas ela continuava ali, Dona Esmengarda estaria viva ou aquilo ali era prenúncio dos céus de que aquele mal estar que Alceu sentia há dias haveria de se suceder algo pior, Alceu não sabia, uma coisa ele tinha a certeza, dias de angústias, divagações, e de intensas agonias estariam por vir, e já começaria a partir daquele exato instante.Naquela noite Alceu viveu um de seus piores dias,ligou para farmácia,pediu remédio para os nervos, ansiolíticos, hemorróidas e até remédio para azia, calafrios percorriam por todo o seu corpo,ligou para as filhas,para os irmãos,primos,e mostrou a foto até para o vizinho,a possível Dona Esmengarda estava lá,o olhando sorridente,com desdém a tudo aquilo que na mente desnorteada de Alceu se sucedia,Alceu passou a noite em claro,com o celular em mãos,o dia que se anunciava só fazia aumentar o temor,as indagações e a mais tortuosa agonia.
     Alceu lavou o rosto, e no primeiro raiar do dia já estava arrumado,aquelas dúvidas o perseguiam,saiu às ruas perguntando aos transeuntes quem era aquela senhora que na foto para ele sorria, ninguém sabia informar, vendedor de jornais, vigias, guardador de carros, senhoras de idade, crianças, não havia nenhum ser que colocasse um ponto final em sua agonia, Alceu estava em estado de euforia, e pensava consigo mesmo:

      Valha-me Deus, será o fim de meus dias e a velha veio isto me anunciar?

       Alceu fez Testamento, queria até mandar rezar uma missa em oferecimento à sogra falecida, dissuadido apenas pela sua mulher que o relembrara que a mãe era evangélica fervorosa,olhava já para os seus como que se despedisse,lamentava os dias que não mais teria com seus familiares e com seus queridos netos na mais perfeita alegria, todos da vizinhança já haviam sido sabatinados por ele, até o entregador da farmácia da história já sabia, e sua mulher, coitada, passava ela várias noites companheira de toda aquela angústia que o acometia, Alceu chegava em casa, pegava o celular, e indagava para a velha o que realmente ela ali queria, noites de insônia, até que em dado momento, ele percebeu algo na foto que podia ser a resposta para sanar todas as suas dúvidas, havia ali uma data e hora que a foto fora tirada, logo cedo, Alceu sabia que providência iria enfim tomar.Mal amanheceu, Alceu já estava na porta da síndica do prédio de frente a sua casa, queria ele a gravação das câmeras de segurança que apontavam para a rua, ao explicar o motivo daquele pedido inusitado, a síndica duvidou de sua sanidade, porém,liberou a consulta das tão desejadas gravações,todos saiam do condomínio para os seus afazeres habituais do novo dia,e Alceu suando frio estava ali,com o celular nas mãos,junto ao porteiro do prédio,analisando metodicamente cada cena da gravação daquele fatídico dia,horas de procura,o porteiro já o olhava com olhos espantados tendo a certeza que ali do seu lado estaria um ser alucinado,quando de repente,um grito ecoa na guarita de segurança:

       Achamos, ela está aqui, encontramos a velha!

    Alceu com as imagens descobriu que a suposta sua sogra que pudesse ter voltado para lhe dizer algo era uma senhora pacata da vizinhança, muito similar à Dona Esmengarda, sua sogra falecida, Alceu chegou até a encontrar a residência daquela que para ele foi motivo de dias em claro, e uma das mais penosas indagações, tudo voltou ao normal, ele pensou em até chama-la para um dia festivo em seu mais doce lar, mas hesitava em persistir nessa ideia, a foto no celular ainda está lá, vez ou outra a mulher de Alceu o presencia olhando para a foto armazenada no aparelho celular altas horas da madrugada, foram suspensos os remédios para os nervos, e o seu estado de humor se transmutara em intensa alegria, certo que, o vendedor da banca de jornal, os vigias,os guardadores de carros, vários transeuntes da comunidade, o entregador da farmácia, seu vizinho e até o seu gato passou a olha-lo de forma diferenciada, mas, Alceu estava de alma lavada, Dona Esmengarda estava realmente morta e enterrada, e o caso da suposta aparição já estava resolvido, apenas uma coisa mudou depois de toda essa odisseia infernal,e isso era ordem por todos respeitada, o seu querido netinho podia pular na cama, lambuzar toda a casa, e até tomar sorvete fora de hora, isso para o avô Alceu não o incomodava em nada, só não mais podia, de forma alguma, e em nenhuma hipótese, tirar fotos do seu aparelho celular, no mais, nada Alceu se importava.

Dedico este Conto a um tio o qual preservo imenso carinho.
O Poeta do Deserto (Felipe Padilha de Freitas)
Enviado por O Poeta do Deserto (Felipe Padilha de Freitas) em 10/10/2013
Reeditado em 10/10/2013
Código do texto: T4519610
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