Doa-se um bebê

“Doa-se um bebê”

Foi isso mesmo que li, quando abri a página de classificados do meu jornal matinal, deixado na porta do meu apartamento, pelo excelente porteiro Juvenal.

De supetão pulei do sofá. Não sei se isso já aconteceu com você, caro leitor, mas confesso que foi a primeira vez que ocorria comigo.

Fiquei extasiado! Corri até o telefone pra ligar para minha amada Sílvia. Estava ali a nossa realização, estampada em letras garrafais, em destaque, colorido, medindo mais ou menos 5 por 10 cm bem no centro da página.

Mas espere! Ligar para minha esposa e dizer-lhe que havia encontrado um anúncio de um bebê sendo doado como uma cãozinho, um gato, um pássaro... Bem, era nosso maior desejo. É claro que em segredo, pois nunca deixamos transparecer entre os amigos a grande decepção de não ter um filho... Egoismo puro, poderia estar colocando em xeque minha virilidade. Exceto para nossa empregada.

Estávamos casados havia dez anos e, infelizmente eu ainda não tinha realizado as três coisas que um homem deve fazer na vida. Uma árvore havia plantado no quintal do condomínio; um livro escrito... bem, um livro sobre a nossa antiga confraria do charuto... mas vale. E o filho? A oportunidade estava ali nos classificados.

Quem anunciaria a doação de uma criança num jornal? Um inconsequente? E onde estaria a confiabilidade e a ética do jornal?

Foram questionamentos que passaram pela minha cabeça, mas estava cegado. Cegado pela curiosidade. Preferi não ligar para Sílvia, mas sim, para o telefone que estava abaixo do anuncio. Enquanto digitava, muita coisa passava pela minha cabeça: poderia ser um golpe, uma isca para apanhar um empresário incauto ou até a polícia... ou... Nesse ínterim o telefone toca e alguém atende do outro lado.

— Alô, quem ?

— Oi, sou... Estou ligando sobre o anuncio de doação — respondi, meio trêmulo, não citando meu nome. A voz do outro lado era feminina. Ufa!

— Como é o seu nome, senhor?

— Que importância isso faz? — Retruquei.

— O senhor ligou para o anuncio de doação do que? —Perguntou-me a voz feminina.

— Sobre o anúncio... doação de... um... bebê...

— Não poderei estar dando muitos detalhes, senhor, pois o senhor não está querendo um cãozinho, um gato, mas sim, um bebê. E esse bebê precisa de saber o nome de seu pai...

Achei que era um trote e desliguei o telefone.

Mas a curiosidade foi mais forte e tornei a ligar.

— Sou Pedro Antônio Vieira e gostaria de saber mais informações sobre o bebê que estão doando... tipo idade, sexo... se é de nacionalidade brasileira...

A voz feminina do outro lado foi direta:

— Essas informações somente lhe serão repassadas pessoalmente, senhor — disse ela.

Cegado, pedi o endereço, anotei-o e nem perguntei se mais pessoas tinham ligado sobre o anúncio e saí voando apartamento à fora. No elevador trombei com a empregada que saia.

— Que euforia, seu Antônio! Parece que tá correndo pra maternidade!

Ri intimamente. Se ela imaginasse...

Quando passei pela portaria e pedi a chave para o porteiro Juvenal, ele disse, depois do bom dia!:

— Até parece que o senhor tá indo pra maternidade!

Apenas sorri.

Apanhei o carro e rumei para o endereço anotado num guardanapo.

Quando lá cheguei, percebi que era um enorme edifício. Na portaria pedi pela sala 320 e foi-me indicado o elevador.

O tempo urgiu. Tão eufórico estava que, quando me dei conta, já estava tocando a campainha da porta 320.

Alguém abriu-a e me pediu para entrar.

Quando entrei totalmente, foi pedido para sentar.

De repente minha querida esposa surgiu por uma porta toda sorridente!

Fiquei petrificado. Um misto de susto e vergonha. Um susto por encontra-la ali, uma vergonha por ter tomado uma decisão sem consultá-la. Ela correu ao meu encontro e disse:

— Então você quer ganhar um bebê? Então toma! — e me abraçou.

Correspondi.

Surpresa? Nunca igual! Ela armou em conjunto com o médico, a empregada, o porteiro e uma gráfica para que o anuncio e forma de classificado me atraísse. Foi muito original anunciar a nossa tão esperada gravidez. Fiquei feliz... por ela!

Por quê? Eu sou estéril. Nunca disse pra ela. Amarei a criança assim mesmo, como minha. Depois escreverei um outro livro.

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Valdir Gomes
Enviado por Valdir Gomes em 22/10/2013
Reeditado em 30/04/2014
Código do texto: T4536042
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