ALBA
 
Alba Fischer, vinte e cinco anos. As chamas do cabelo vermelho fazem contraste com a alvura do travesseiro e das paredes. Olhos têm a cor dos galhos que vêm saudá-la na manhã de sol. Nem as graças do sabiá, que exibe sua beleza no parapeito, consegue lhe roubar um sorriso. Ele foi apagado na noite, entre as drogas e a fumaça, as vozes e as risadas, a orgia e os gritos. As imagens vão fazendo trocas, esfiapando-se, condensando-se e pedindo passagem. Fica sem discernimento sobre o real e a fantasia, o presente e o passado. As lágrimas tecem malhas sobre seu rosto, onde a palidez deixa mais forte o negror das pálpebras.

Grita pela mãe, quando tenta se levantar e a perna esquerda está há alguns metros. Olha para as paredes. As pernas doem. Mesmo a ausente. Os dias iguais, marcados por suas queixas e o choro dos pais.

Vira pra lá. Isto. Não. Mais movimentos. Assim. Agora. Isto.  Sorria. Perfeito.

As crianças rindo. Perneta. Saci branco. Vem me pegar, vem. Os escárnios. Mãe, me tira daqui. Não quero ficar mais neste colégio.

Fernando convidando-a para as fotos. Ela desconfiada. Ele insistindo. Tens um rosto especial para modelo. Ela baixa os olhos para a perna mecânica. Ele sorri.

- Já sei. Estive observando. Você é linda. Deixa o resto comigo.

O sucesso vertiginoso, as dificuldades de lidar com ele. Sofrera nas mãos dos adolescentes. Agora, não mais tentaria suicídio. Suas fotos espalhadas pela cidade, na TV, no computador, nas revistas. Sentia-se vingada.

De quê?

Da vida, dos colegas, dos vizinhos.

A mudança, a orgia, as bebidas, as drogas, o sexo, tudo englobado. Uma roda viva, uma roda gigante, uma roda da vida. Tudo girando, misturando-se, o silêncio e a escuridão.

Mesmo agora, que sabe estar voltando, que ouve os pais, que os médicos festejam, que o sabiá se esforça para agradá-la, não sabe sorrir. Mas sabe que volta. Há um mundo que a espera, com alegrias e tristezas. Quantas vezes pensou em não voltar? Seria tão fácil. Era só segurar a mão estendida.

Muitas vezes tentara o fim. Agora que ele estava ali, sentiu seu ser reagir. Quem sabe seria um retorno diferente? Quem sabe?

Ergueu as pálpebras. Uma festa de olhos brilhantes, sorrisos e lágrimas davam vivas ao seu retorno.       



 
MADAGLOR DE OLIVEIRA
Enviado por MADAGLOR DE OLIVEIRA em 24/10/2013
Reeditado em 26/10/2013
Código do texto: T4540624
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2013. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.