ATRÁS DA MÁSCARA
 
 
                                  
Do púlpito, Gervásio vociferava contra a imoralidade do carnaval, do pecado da carne, da sem-vergonhice que acontecia na noite em toda a cidade.

Desde menino, gostava de falar para as pessoas de que um dia seria um grande homem. Via-se falando a uma multidão, pregando a palavra do Senhor, como seu pai fazia. Demorou para conquistar a vitória. Mas ali estava. Tinha orgulho da conquista, do efeito que a pregação causava.

Enquanto se punha aos gritos, sabia que os crentes partilhavam do entusiasmo, pois de uníssono bradavam: aleluia, irmãos, aleluia. Isto o inflamava, incentivava-o a prosseguir e a encontrar palavras duras, ferinas, para tornar o sermão mais apreciado 

Dizia do vício das drogas, do álcool e do sexo que permeavam a festa do capeta.

Deixava as palavras soltas, retumbando no recinto, fazendo eco em muitos dos presentes. Tinha conhecimento de que tinham um familiar na festa do pecado. Lembra-se de Teresa, sua recatada mulher. Por vezes comentava com ela sobre o assunto. Nem respondia. Ficava ruborizada até as lágrimas. Pena que não pôde estar ali, de vigília, incentivando-o com o olhar, na explosão em defesa da moralidade cristã.

Condoía-se de alguns que, ao ouvirem as palavras, choravam. Quem sabe por uma esposa na orgia que campeava solta nas ruas e clubes. Precisava impor, mostrar que, como guardião da moralidade de suas ovelhas, não podia vacilar. É imperativo ser duro, inflexível. Mostrar que é um homem de respeito, responsável pela igreja e pelos irmãos.

Através do corredor, viu na porta uma movimentação estranha. Continuou a pregação, cada vez mais alto, para abafar os rumores. Nada poderia demovê-lo do alerta. No entanto, um crente percorre o corredor em grito, solicitando-lhe a presença na rua. Outros seguiam-lhe os passos. Falavam ao mesmo tempo, parecendo confusos e desorientados. Sem entender, estava sendo puxado, conduzido para fora, sem conseguir desvencilhar-lhe nem se fazer ouvido.    

Em frente à igreja, um corpo de mulher. A fantasia rasgada deixava à mostra um seio. O exíguo biquíni não encobria nada. Na mão, um contraceptivo.

Ainda aturdido, sem entender o que acontecia, reagiu. Uma pecadora fora atropelada ali, na frente da casa de Jesus, para demonstrar e comprovar como estavam certas suas palavras.

Ergueu os braços, para dar continuidade à pregação ali mesmo, quando observou que olhos atônitos o encaravam. Baixou os braços. Seria desumano para as pessoas se não demonstrasse um laivo, ao menos, de caridade, afinal precisava fazer-lhes ver que também sabia perdoar.

Olhou para o corpo. Um risco de sangue escorrendo sob a máscara. Estendeu a mão para retirá-la. Estancou; Todos em silêncio, observando seus gestos. Um pressentimento. Teme. Não tem coragem de olhar.

Então, abruptamente, retira a máscara.



 
 
 
 
 
 
MADAGLOR DE OLIVEIRA
Enviado por MADAGLOR DE OLIVEIRA em 21/11/2013
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