CALCINHA VERMELHA

 
 
            Quando mamãe  se casou, fiquei triste e decepcionada. Pensei que não esqueceria papai, que fosse viver fiel à memória dele. Ainda foi pior: ter casado com Otávio, que era amigo de papai. Parecia-me traição dobrada. Tinha, também, o fato de não gostar dele. Uma coisa que nunca soube explicar.
Quando Otávio chegava com papai e me trazia bombons, sentia vontade de jogar fora. Mas papai, que era somente sorrisos para o amigo. Dizia:
- Come, Solange!
Não queria decepcioná-lo. Então comia, sentada em seus joelhos, enquanto ouvia as risadas dos dois.
Até hoje, parece que ainda o escuto. Mas papai está morto. Apareceu enforcado. Quem o encontrou foi Otávio. Gritei, abraçada ao corpo gelado, enquanto Otávio explicava, para mamãe. Falava em traição. Outra mulher. Matara-se por causa dela.
Tirou do bolso do morto uma calcinha vermelha, para comprovar a existência da outra.
 
Era um homem de sorte em tudo. Além de louro e olhos esmeraldas, o que atraía as mulheres, era metido à artista. Fui colega de faculdade de Clarisse. Moça bonita, inteligente, gente fina. Embora as investidas, as várias tentativas, não consegui conquistá-la.
Um dia, Plauto apareceu. Tinha os cabelos compridos, usava roupas largas. Foi amor à primeira vista. Não sei o que ela viu nele. Fiquei com ódio desde aquele momento. Mas para não a perder de todo, fingi ser amigo de ambos. Até padrinho de casamento fui.
Clarisse fez sucesso como advogada. Ele se limitava a borrar uns quadros, dizendo-se pintor. Nunca trabalhou. Ela, algumas vezes, montou exposição para satisfazer o ego do sujeito. E eu ali, presente e aplaudindo, no aguardo.
Tiveram três filhos. Uma menina com Síndrome de Down. E eu participando de tudo, convivendo com eles, o ódio corroendo, consumindo-me. Até que Plauto morreu.
Finalmente, a minha vez. Consegui casar com ela. Mas não fui feliz. Não consegui. Plauto. Sempre Plauto. Mesmo depois de morto, ficara nela, ficara nos filhos, ficara na casa.
Isto durou até aquela noite.
 
Meu marido foi um homem especial. Um artista nato, ainda que por vezes incompreendido, é bem verdade. Tivemos um casamento feliz e três filhos. Quando os dois primeiros estavam com onze e nove anos, nasceu Dora, com Síndrome de Down. Foi difícil. Plauto ficou enlouquecido. Trancava-se no atelier, pintando coisas estranhas.
Depois foi reagindo. Olhava para a filha e chorava. Teve crises, gritava que era o culpado, falava em traição. Mas depois se acalmava. A vida ia seguindo a rotina.
Plauto somente se mostrava verdadeiramente alegre quando com Otávio, nosso amigo. Até que um dia foi encontrado morto. Foi terrível. Além de ver meu marido ali, estirado no chão, ainda fiquei sabendo que me traíra, que mantinha uma amante e que se matou por ter sido abandonado. Em seu bolso, uma calcinha vermelha, de renda.
Dentro de mim, algo se rompeu. Todo o amor que nutri por ele se transformou em ódio. Mas, um amigo leal, que era presença constante em nossas vidas, Otávio, me ajudou. Não muito depois, casamos.
No início, pensei que era feliz. No entanto, meu segundo marido virou um carrasco. As crianças e eu vivíamos em sobressalto.
Uma noite, Plauto chegou em casa bêbado, com o rosto transformado, como se perseguido por fantasmas. Começou a gritar. Que fosse embora, que o deixasse em paz. Olhava para mim, como se não me visse, como se falasse com alguém. Nisto, Solange entrou no quarto. Otávio agarrou-se ao meu pescoço e gritou para ela:
- Saía, senão enforco as duas, também.



 
MADAGLOR DE OLIVEIRA
Enviado por MADAGLOR DE OLIVEIRA em 23/11/2013
Código do texto: T4583337
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