SEGREDO DE MÃE
 
  
Você tem uma família normal. Pai militar, mãe advogada, três irmãs e um irmão que é o orgulho de todos, principalmente de seu pai.

Seu lar é um exemplo, perfeito. Claro que há algumas queixas. Normal. Ou não? Seu pai chega fardado, batendo continência, dando ordens aos filhos e à mulher como se ainda estivesse comandando tropa de recrutas. Mas quando tira a roupa, - que lhe empresta um ar senhoril, - põe chinelos e pijama, rola pelo chão da casa com os filhos a fazer-lhe de cavalinho, pula, brinca, ri e faz carinhos. É como se tivesse dois pais.

Você sente orgulho dele, do paizão. Ciúmes também. Tudo por causa do mano. Enquanto eram somente as três meninas, era diferente. Mas o velho não se conformava. Queria um filho homem, que lhe pudesse seguir os passos. Então, é abençoado com o presente. A situação se modifica. O menino é o centro das atenções. Certo, tudo bem. Mesmo por que, ainda sobra um monte de coisas boas do pai para as meninas. Pensando melhor, nem há de que se queixar.

O casal vive feliz, em harmonia, com seus rebentos. A mãe só lamenta o controle que sofre. Precisa dar conta de seus passos, das companhias, das atitudes, por que se vestiu assim, aonde vai tão bela, o motivo de ter chegado tarde. Cobranças e mais cobranças. Coisas de marido possessor, cuidadoso, que zela pelo que é seu. Acho.

Mas isto não é preocupação. Até que gosta, bem no fundo, tem orgulho dele e da linda família, aumentada com a chegada de mais uma menina.

O mano se torna militar. O pai vibra. O filho é sua maior realização pessoal. Quando fala dele, os olhos brilham e ficam molhados.

Um dia, seu pai parte para a nova morada, deixando a viúva e filhos. Todos casados. A vida segue o ritmo.

Até que você recebe um chamado de sua mãe, reclamando de estar sozinha. Mas nunca quis morar com alguém. Diz-se doente, fraca, e que escolheu você para fazer uma confissão. 

Fala baixinho, como se fosse um monólogo. Amou o marido, único namorado. Conheceram-se quando crianças. Conta do namoro, do noivado, do casamento, do homem bom que foi, do marido fiel e pai amoroso.

Você não entende. Tudo isto é do seu conhecimento. Muitas vezes, ouviu a mesma história. Mas a deixa falar, sem interromper.

Então, percebe que a voz vai se modificando, o peito começa a arfar, um suor brilha-lhe o rosto, as mãos são retorcidas. Você teme. Algo grave está por ser revelado. Nunca viu sua mãe assim.

Pensa o pior: descobriu um câncer, tem pouco tempo de vida.

Mas ela segue.

- Foi uma única vez, juro. Sentia-me sufocada com a disciplina dele, o ciúme, queria me libertar, ser diferente. Ele nunca soube. Nunca. Morria de medo, só de pensar em ser descoberta. Agora, não suporto mais. Preciso dividir com alguém esta carga.

 - O mano é filho de outro homem.

 
 
MADAGLOR DE OLIVEIRA
Enviado por MADAGLOR DE OLIVEIRA em 30/11/2013
Código do texto: T4593085
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2013. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.