ROOM, RUIN

Ele morava numa casa bacana, com vários cômodos, piscina e área para festas com os amigos, que ele usava para churrascos com um círculo tremendamente restrito. Nunca passavam de dez. Talvez ele realmente não considerasse como amigos um número de pessoas superior a isso. Não havia aposentos especiais ou de sua predileção entre aqueles que seus camaradas conheciam. Seu lugar preferido na casa era um quarto diferente de todos os demais. Tinha paredes, piso e teto totalmente brancos, assim como eram brancos a cama e o criado-mudo, únicos móveis ali. Mas a sua maior característica, para além desse aspecto clean, era o fato de ser isolado acusticamente. Várias camadas protetoras garantiam que, mesmo no caso de uma guerra ou coisa pior, ele não seria importunado por nenhum ruído. As paredes impediam também que passasse o sinal do celular (para o caso de ele esquecer e entrar com o aparelho para o seu refúgio). Quando a vida se tornava deveras insuportável, ele ia para o seu “Room-Ruin”, um jogo de palavras que ele mesmo bolara com os termos “Quarto-Ruína”. Sim, porque ele entrava ali apenas quando estava na pior, arruinado emocionalmente. Trancava a porta, sentava na beira da cama, calmamente pegava uma das muitas cartelas de comprimidos para dormir e tomava um número que considerasse adequado à ocasião. Sempre que se magoava, ou que alguém o ofendia, ou que se desgostava com algo (que podia ser um problema grave de algum amigo, a morte de alguém – que não tinha que ser, necessariamente, uma pessoa conhecida – ou mesmo uma notícia ruim), ele se fechava no quarto e em si mesmo. E assim foi por vários anos. Como morava só, houve ocasiões em que sua incomunicabilidade causou sobressaltos nos desavisados, certa vez ele dormiu dois dias e meio direto, e amigos do círculo externo acionaram a polícia (os do círculo externo sabiam os comos e os porquês desses sumiços). Um dia, o desgosto sofrido foi maior, muito maior que o habitual. A dose de comprimidos, também. Da mesma maneira, o tempo de sono. Que ainda não acabou. Terminará no mais longo dos dias. O do julgamento final.

~CMF~13122013,15:33

CELSO MORAES
Enviado por CELSO MORAES em 13/12/2013
Código do texto: T4610620
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