AS ÚLTIMAS COISAS DO MUNDO ( CAPÍTULO 1 - O ÚLTIMO AVISO)

- ...e não é a primeira vez que te falo isso.

- E não é a primeira vez que te digo que não me importo.

- Eu não aceito!

- Talvez como profissional não, mas como amigo que é, você deveria aceitar.

- Que amigo eu seria se eu aceitasse sem me importar?

- Que amigo você é se importando?

- Como assim?

- Há várias coisas para se importar. Quando nos preocupamos muito com uma, podemos esquecer outras. Um amigo se preocupa mesmo com a felicidade do outro.

- Está me dizendo que é infeliz?

- Não, não. Já fui. Hoje sou feliz, mas não somente por que estou vivo, mas também por que estou velho, e os velhos, você sabe...morrem.

- Ora, deixe de besteira, Jurandir. O instinto do ser humano é a sobrevivência, não é você quem vai mudar isso.

- Quer dizer que você sabe mais de mim que eu mesmo?

- Sobre o que temos em comum sim. Se bem que, pela sua atitude, parece que sei coisas das quais vocês se recusa a saber.

- Como o quê?

- Que você esta doente.

- Ora, é óbvio que estou doente. Estou velho.

- Velha é a sua mentalidade. Pessoas da sua idade vivem saudáveis, àquelas que se cuidam.

- Pois saiba que eu cuido muito bem de mim. Nem tanto do meu corpo, é claro. Mas deixemos desse assunto. Você não quer que eu morra no seu escritório não é, Doutor?

- Nem aqui, nem em lugar algum. Já disse.

- Mas o que é aquilo que você falava?

- Sobre?

- Sobre o que temos em comum. O que é?

- Ora, o instinto de sobrevivência, o desejo da felicidade, essas coisas...

- E se essas duas coisas forem contraditórias?

- Só na mente de um louco.

- Então, talvez, meu lugar não seja no seu consultório, mas numa clínica psiquiátrica.

- Seu velhaco. Não quero ter que sentir saudade destes momentos. E Falo isso como amigo, e não como médico, pois, profissionalmente, isso está sendo uma perda de tempo.

- Bem o sei. Por falar nisso, tenho que ir. Como vão Cintia e as crianças?

- Estão bem, apareça lá em casa para jantar, sabe que não precisa de convite.

- Eu sei, até mais, Doutor.

- Até mais, Jurandir. E, ah, domingo te ligo para desejar um feliz aniversário.

- Me convide para tomar uma cerveja.

- Vai pro inferno!

E assim saiu Jurandir do consultório do seu médico, que também era grande amigo. Atravessou a rua e continuou caminhando, nem lentamente, nem com pressa, apenas caminhava como alguém que esqueceu como é ficar parado. De fato, caminhava como se caminhar não fosse grande coisa.

Ao se dar conta que caminhar é algo que deve ser levado sério, corrigiu o caminho e tomou o rumo de casa.

Lucas Esteves
Enviado por Lucas Esteves em 03/01/2014
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