TENTATIVA VÃ

O livro pesava em suas mãos como se fosse um enorme bloco de pedra. Ele tentou ler. O Salmo 16. Iniciou a leitura, cada palavra era um vergalhão em brasa enfiado em seu coração. “Guarda-me, ó Deus, porque em ti confio”… fechou os olhos, fechou o livro. Não poderia prosseguir. Não era honesto, não era sincero. Não confiava. Não confiava mais. Sem perceber, começou a falar com Deus, mesmo sabendo que, se por um acaso Ele ouvisse, não daria resposta alguma, como jamais dera.

“Deus, você sabe que eu quero. Mas querer não basta, se bastasse eu seria belo, rico e eternamente jovem. Você nunca respondeu, nunca deu um sinal, por mais miserável que esse sinal fosse. Eu não confio mais, não posso ler isso. O seu livro não é como os outros, não posso simplesmente ler, como quem lê uma obra qualquer. Preciso concordar, preciso sentir. E eu não sinto. Não sinto mais. Se me permite, elevarei o nível do meu monólogo – diálogo seria se você me respondesse – citando Drummond:

‘Meu Deus, por que me abandonaste

se sabias que eu não era Deus,

se sabias que eu era fraco’.

Perdoe-me por isso. Mas não precisa me perdoar por todo o resto.”

Colocou de volta a Bíblia na estante. Tivera a ideia de lê-la toda durante o ano que começava, seguindo o esquema de leitura diária que já seguira de outras vezes, mas percebeu que não poderia. Não se engana Deus, e mesmo se fosse possível ele não queria tentar. Queria ser honesto. Pelo menos não era um ‘morno’, mas totalmente frio. Mereceria, assim, talvez, algum respeito de Jeová. Ou não. Tratou de se concentrar no trabalho, que talvez fosse a única coisa de real em sua vida amaldiçoada.

~CMF~01012014

CELSO MORAES
Enviado por CELSO MORAES em 09/01/2014
Código do texto: T4642814
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2014. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.