Quase

Ultimamente tenho me sentido um tanto diferente, confusa. A música não tem mais som, os poemas são ininteligíveis, as pessoas são só vultos e o ar parece me prender. Têm acontecido coisas inusitadas. Eu vejo um brilho estranho nos olhos de seres inanimados, como as bonecas, vejo até um sorriso em suas faces ou até mesmo a tristeza neles. Passo as noites observando a lua, asfixiada pela poluição da cidade, ignorada por muitos destes seres aqui presentes. As estrelas também me chamam a atenção; brilhando, apesar de tudo. Mas eu sempre adorarei a lua e sempre a desejarei, esperarei estar em seu solo por mais que pareça impossível, improvável. Talvez um dia ela me pertença. Enquanto não a tenho, fico aqui, geralmente trancada no quarto, sem disposição para sair, sem auto incentivo para viver, esperando um milagre que me faça desaparecer.

Em minha mente tudo é tão fácil; entro e saio da vida, literalmente, quando quero. Mas fora do mundo que criei tudo é tão distante, menos a dor; essa está próxima, observando-me, querendo tomar-me para si. Ela está atrás das cortinas e da porta, sempre à espreita, sem nunca dormir, sendo paciente e acreditando que logo terá o que quer. E até a dor consegue ter mais esperança que eu, porque ela sempre atinge seus objetivos.

A vida é tão desprovida de sentido. Parece que somente eu percebo isso ou talvez todos percebam mas fingem que está tudo certo e em seu devido lugar, com o frequente medo da mudança.

Vivendo entre pessoas como essas, estando em um lugar como esse, é inevitável ficar perturbada. Ninguém se mantém lúcido por muito tempo, muito menos sóbrio. Foi por isso que hoje, depois de tanto tempo resolvi sair e ir para o bar, tomar algo que me tire o controle e que por algum tempo me deixe como os cegos a meu redor. Queria tanto conseguir ignorar os fantasmas que me rodeiam e seguir em frente como qualquer outra pessoa e por um segundo consegui. Mas logo após tomar algumas doses, fui para o prédio abandonado mais próximo e sem que ninguém percebesse, me dirigi para a cobertura, logo avistei seu fim e de lá me joguei. Não, você não está lendo memórias de uma morta, eu não morri; apenas fiquei inconsciente por muitos minutos e ao acordar me vi numa cama de hospital. Sem lembrar do que havia acontecido, tentei levantar e neste momento percebi que jamais voltaria a andar; não consegui me mover.

Eu só queria não existir e agora estou condenada, da pior forma, a continuar a viver.